Se alguém me perguntar qual foi a música que mais ouvi em 1968, ano em que os estudantes de boa parte do mundo todo estavam nas ruas a gritar "é proibido proibir", terei de confirmar, com olhos baixos e melancólicos:
— Foi "Última Canção", com Paulo Sérgio que, à época, diziam imitar o rei Roberto Carlos.
Das 8 da manhã às 18 horas, ouvia os acordes dessa balada triste – tida como ‘cafona’ – e a voz anasalada do imitador. Ambos a chorar o inapelável adeus ao amor perdido. Não era fácil. Mas eu resistia bravamente em troca de uns trocos no fim do mês.
Na verdade, foi meu primeiro emprego, balconista de uma loja de disco na rua São Bento no Centro de São Paulo. Tinha 16 para 17 anos, e durou pouco mais de um mês – afinal, ninguém é de ferro.
Tempo suficiente para não mais esquecer os versos tristes da canção:
"Então você verá o valor/que tem o amor/
E muito vai chorar/ ao lembrar/o que passou/
Esta é a última canção/que eu faço pra você…"
É que a tocávamos ininterruptamente a mando do gerentão. Um homem sisudo, engravatado, cuja a função mor na vida era vender o enorme estoque de compactos simples do Paulo Sérgio que tínhamos no fundo da loja. E a música, diga-se, era mesmo um sucesso. Doída, triste, mas um sucesso…
A estratégia era simples: rua de grande movimento, no quarteirão próximo ao Largo São Francisco, todos que passavam eram um provável comprador. Bastava ser instigado a… Para tanto, tocávamos a "Última Canção" insistentemente. Sem parar…
II.
Em frente à loja, havia um estacionamento, onde trabalhavam três ou quatro divertidos lavadores de carro que, na verdade, eram ‘autônomos’. Ou sejam ficavam por ali. E, quando alguém deixava o carro, eles propunham o serviço e assim garantiam o pão de cada dia. Quando não, estavam rindo a contar piadas, e falar de futebol ou a cantar velhos sambas batucando nas latas.
Pois não é que no fim do expediente de uma arrastada segunda-feira, os lavadores, todos, invadem a loja com cara de poucos amigos. Eram meus conhecidos, mas, nesse fim de expediente, querem mesmo falar com o gerente. Estranho, mas vou chamar o homem – que não gosto de confusão para o meu lado.
A conversa é rápida.
— Viemos propor um trato. Quantos disquinhos do Paulo Sérgio vocês ainda têm na loja?
— Hum! Preciso ver lá no estoque. Mas, acho que são uns dez ou doze, diz o gerente.
— Pois então, moço, juntamos a ‘féria’ do dia e está aqui, ó… (colocou no balcão, uma pilha de trocados, amarfanhados e ainda úmidos). A gente compra todos. Fechado?
— Compram todos?
— Mas tem um porém. Pelo menos até o fim desta semana, vocês param de tocar essa xaropada…
Estou só ouvindo. Mas, diante do inevitável, tomo a frente das negociações – e topo o acordo. Afinal, ninguém é de ferro…