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Um naco de saudade

“Não requer prática, nem tão pouco habilidade.”

O refrão dos camelôs de então – não eram tão numerosos quantos os atuais – refletiam a praticidade do produto que vendiam. Não eram CDs, DVDs ou qualquer outra jabirosca chinesa. Variavam entre “a babosa milagrosa” que daria tons rejuvenescedores aos cabelos e a cera lustra móvel (sabe-se lá de que procedência) que daria “aspecto de nobreza à sua casa”.

Hábeis nas palavras, ágeis nas vendas, espertos o suficiente para escapar das ‘baratinhas’ da rádio patrulha, espalhavam-se pelas praças Sé e Clóvis, pelas cercanias da rua Direita, pela Ladeira Porto Geral, dando uma sonoridade típica à região, desde então apinhada de gente pra lá e pra cá.

Sempre – e sempre, havia uma roda de curiosos onde quer que os tais armassem sua banca – muitas vezes, improvisadas em caixotes de frutas – com olhar crédulo diante dos malabarismos verbais dos ‘malandros do bem’.

Para muitos, otário era quem caísse no conto do vigário da vez.

II.

Anos 50. Garoto ainda, gostava de acompanhar o Tio Neno nas caminhadas que dava quase que semanalmente por aquelas bandas. O ruído, o cenário, o ir-e-vir das pessoas – tudo aquilo, desde então, me encantava.

Os motivos para os ‘perneamentos’ do tio eram os mais diversos. Podia ser a quitação de alguma prestação na Mesbla ou em A Exposição/Clipper ou mesmo uma visita à Casa José Silva para ver a nova coleção de ternos da renomada loja.
Tio Neno – como todos nós – era tecelão; remedidado de grana, portanto. Mas, tinha lá seu estilo no vestir.

Outra das minhas admirações, à época, era olhar o guarda-roupa dele, com os ternos enfileirados de acordo com os tons de cinza, marinho até chegar ao vistoso terno social, preto (que usava em ocasiões raras).

Me é inesquecível a cena do tio chegando com um grande pacote de papel caqui. Ao desfazê-lo, surgiu um novo blazer de lã acizentado. Orgulhoso que só, se pôs a me explicar a categoria do tecido:

– É ‘olho de perdiz’ legítimo.

III.

Estive em Montevideo nesses dias de ausência do blog.

Andei pela região central, pelas imediações do Teatro Solís, pela Praça Independência… Não sei bem o porquê, mas dei de achar incertas (e nostálgicas) parecenças com a São Paulo dos idos de 50.

Tenho mesmo uma tendência a imaginar coisas. Ainda mais quando me toca um naco de saudade que não sei explicar de onde vem e para onde vai. Deve ser própria da idade.

É certo que faltaram o olhar do menino sonhador que um dia eu fui e os alaridos dos camelôs de antigamente. Se bem que estes, creio, entraram na história só para introduzir a conversa de hoje.

Afinal para tropeçar no túnel do tempo, também não é preciso prática, nem tão pouco habilidade…

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