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10 cruzeiros

A troco de encontrar um documento que lhe pediram no emprego, foi remexer no fundo de uma gaveta onde não fuçava há anos. Vira daqui, mexe dali, sobrou em uma de suas mãos uma esmaecida nota de 10 cruzeiros, testemunha inexorável de um tempo pra lá de antigo.

Quando foi isso Meu Deus?

Perguntou para si mesmo, mesmo sabendo que, de pronto, não teria qualquer resposta.

II.

Aquela visão, no entanto, lhe trouxe alguma inquietação e outro tanto de curiosidade.

Sentiu a aspereza do papel e fixou o olhar na imagem impressa de D. Pedro II, o imperador deposto. Barba longa, não era sequer aparada; olhos cerrados, um aspecto lúgubre. Naqueles idos dos anos 70 e 80, quando a nota circulou, aquela fisionomia lhe era distante, etérea, um Papai Noel triste.

Hoje, nem tanto.

Enquanto pensava, riu de alguns amigos que, se vissem a nota, desistiriam de usar barbas cumpridas tão em voga nos dias atuais. Se julgam modernos.

Vá entender as voltas que o mundo dá – concluiu.

Mas, ali, também estavam (estão?) patenteados a fluidez do tempo, inevitável, e o efêmero da condição humana.

III.

Por que guardou aquele dinheiro, vil dinheiro, causa e razão de tantas insídias, de tanta incompreensão, de tantas tragédias na história da humanidade? Naquele exato momento, a nota era uma trolha a mais em meio a fotos antigas, passaportes vencidos, carteira de estudante do tempo em que era um jovem sonhador e outros velhos papéis sem qualquer serventia para a vida que hoje levava.

Refletiu sobre o jeito tão sem jeito que temos de nos apegar ao passar dos dias. Além da vã tentativa de tentar resgatar algum naco de felicidade que tenhamos vivido lá nos pratrazmentes.

Buscamos sempre o eterno.

IV.

Voltou a se questionar:

Quando foi que o cruzeiro virou real?

Ele próprio tentou a resposta: em junho de 1994. Antes passou por um estágio como “cruzeiro novo”, aí veio a URV e finalmente o País assenhoreou-se de uma nova moeda.

Este mesmo real que, antes da hecatombe social, política e econômica que atravessamos, parecia ser uma moeda forte, indestrutível.

Logo, logo, ele próprio (o real) tende a desaparecer.

É da vida e dos amores, voltou a pensar.

V.

Por falar em amores, não contava com a surpresa que o acaso lhe proporcionou.

Virou a nota para melhor apreciá-la.

Viu a esfinge impressa do Profeta Daniel, a obra do escultor Aleijadinho, um requinte cultural, digamos assim. Ao lado dela, em letras miúdas, quase imperceptíveis, notou uns rabiscos que lhe roubou a pouca serenidade que restara:

“Oi!
Tchau…
Sua felicidade. Acima de tudo.
Comigo ou sem-migo”.

Quem assinou este quase poema?

Não está nítido. O tempo apagou. Não consegue ler. Mas, lembrou-se bem… Lembrou-se para não mais esquecer.

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