Foto/Reprodução: site Outrolado…
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(1) – Estripulias do garoto Tchinim diante da TV
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Foi mesmo um acontecimento quando o primeiro aparelho de TV chegou à humilde casa da rua Muniz de Souza 420.
Era um mastodôntico objeto que exibia a marca Invictus em pequenas letras bronzeadas na parte inferior, tela com 21 polegadas, profundidade infinita para acolher válvulas e um tubo ‘que gerava as imagens’ no dizer do pai – e, de resto, mal e mal se equilibrava em quatro roliços pés ‘palitos’.
Imagine um taco de bilhar, cortado pela metade e enroscado na base da geringonça lúdica.
Pois então…
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Eu devia ter cinco ou seis anos – e achei aquela novidade bem estranha.
Mesmo com o alvoroço da mãe, das irmãs e de toda a vizinhança, eu fiquei à certa distância da Coisa.
Primeiro, porque a mãe não deixava:
“Pode cair em cima de você e lhe matar”.
(Dona Yolanda era assim mesmo, dramática que só).
Segundo, um motivo inquisidor:
Nunca entendi como aquelas pessoas diminuíram de tamanho para caber no interior daquela enorme caixa. Mistério!!!
Na minha ingenuidade, várias vezes me imaginei enfiado dentro do ‘monstro’ a desvendar os bastidores de como tudo aquilo acontece.
Qual era o truque para o Roy Rogers e o lindo cavalo Tiger sair a perseguir bandidos sempre no mesmo dia da semana e no mesmo horário?
Como aquele bando de cantores e músicos se reúne ali naqueles confins para celebrar um tal de Clube dos Artistas?
E, sobretudo e principalmente, como a Lígia, a filha do dentista Dr. Carlos, a menina mais bonita da rua, aparecia quase todos os domingos em um palco, vestida de bailarina a dar piruetas e saltos, no programa chamado Grande Gincana Kibon?
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Como é que pode?
– Pode, bobo, é como se tivéssemos um cinema em casa – esclareceram minhas irmãs, Rosa e Doroti.
– Você não lembra quando assistiu ao filme ‘Marcelino, Pão e Vinho”? Então, Tchinim, é quase a mesma coisa.
Só para esclarecer:
Tchinim era meu apelido de garoto.
E, se for quase, já não é a mesma coisa.
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Vou lhes confessar, então.
Mesmo depois das sábias palavras das minha irmãs, houve dias em que tive ímpetos de ir pra cima da Coisa.
Sempre fui algo impulsivo.
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Mas, tudo bem!
De olho nas recomendações da mãe – sempre alarmantes, lembram? -, entabulei cordiais relações com a nova dona da atenção e suspiros de toda a família, e também de alguns vizinhos.
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Vou lhes confessar outra, então: ansioso, aguardava os sucessos musicais da semana.
As canções da moda e seus intérpretes desfilavam, aos sábados, no programa Astros do Disco com o comando do apresentador-galã Randal Juliano.
Eram noites de gala, registre-se.
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No palco, os homens trajavam smoking e as mulheres, vestido longo.
Em casa, tínhamos, cada um de nós, nossa torcida por esta ou aquela canção.
Eu, por exemplo, avesso ao chororô dos sambas canções e boleros, encantei-me assim que vi pela primeira vez aquele moço tímido cantar e tocar violão tão docemente como nunca vira antes alguém tocar violão e cantar.
Havia ali um mistério, um dom, um feitiço a me hipnotizar.
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“Chega de Saudade”, o sucesso daquele rapaz, me arrebatou de tal forma que, desde então, nunca mais pude esquecer aquele alumbramento.
E olhem que lá se vão seis décadas…
Desde então passei a acreditar que viver sem música seria mesmo um grande equívoco.
Obrigado, João Gilberto.
É.
O pessoal tem razão.
Até que é bem legal ter um cineminha em casa!
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O primeiro desenho animado que me lembre…
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* Inspirada em textos originalmente publicados em 25/05/2017 e 07/09/2019
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O que você acha?