01. Aos 26 anos, a empregada doméstica A.S. é uma das tantas migrantes que chegam a São Paulo, vindas de todos os quadrantes, para viver as tão sonhadas maravilhas da cidade grande. É muito provável que cedo percebeu as asperezas do nosso dia-a-dia. Mesmo assim, por aqui foi ficando. E do jeito que pôde arranjou trabalho, constituiu família, mantendo firme e forte o sonho de ser feliz.
02. Há coisa de dois meses, pouco mais, pouco menos, precisou recorrer a um dos hospitais do Sistema Unificado de Saúde (SUDS). Não se sentia bem, com dores e cólicas. Depois de encarar algumas filas e outro tanto de burocracia, foi atendida por um ginecologista que diagnosticou um provável cisto no útero, suspeita a ser confirmada por um exame de laparoscopia e os complementares exames de sangue. O médico lhe indicou dois hospitais que lhe prestariam assistência: o Brigadeiro e o São Paulo. Exatamente aqui começou sua via crucis. No primeiro hospital que procurou, o São Paulo, foi informada que o equipamento para a laparoscopia estava danificado — e não havia prazo para voltar a funcionar. No Brigadeiro, o exame só poderia ser efetuado em fins de janeiro. Porém, antes precisaria apresentar os exames de sangue e passar por um clínico geral. A.S. andou de hospital em hospital, inclusive em outras regiões da Capital, e até a manhã de quarta-feira ainda não havia encontrado um horário disponível para o atendimento que o bom-senso supõe trivial. "Só em fins de janeiro " foi o que ouviu por onde andou.
03. A sina dessa brasileira, que vive e trabalha na região, revela o descaso de nossas autoridades (deste e de outros governos, é sempre bom frisar) para com o bem maior de todas as pessoas, que é a saúde. Revela também a imensidão desse caos e o quanto estamos distante de uma efetiva solução. Se na mais pujante cidade do País, não se encontra um clínico geral disponível para atender a quem recorre a assistência médica pública, imagine nos locais onde o desenvolvimento econômico e social — incluindo aqui os equipamentos de Saúde — passam a largo. Não é à toa que, vira e mexe, os jornais estampam, com todas as letras e imagens, a morte de dezenas de bebês e anciãos, dos pacientes da hemodiálise de Caruaru e outras tragédias no gênero.
04. A opinião pública constrange-se, demonstra revolta e indignação. Mas, logo esquece ou finge que… Pois, nos mesmos jornais, as manchetes falam em corrupção, em aumentos abusivos para vereadores e prefeitos e em deputado que cobra comissão da empreiteira para aprovar essa ou aquela obra. Falam também da inflação que feliz e finalmente está sob controle e registra a menor taxa dos últimos 46 anos e da emenda constitucional que prevê a reeleição e dos presidenciáveis (como falam!) que já se enfileiram junto a fita de largada para 98. Lá estão o indefectível Leonel Brizola, o prefeito Maluf, Lula do PT, Jaime Lerner e o presidente FHC que quer porque quer continuar no posto. Imagina que quatro anos não são nada para a envergadura da sua obra social…
05. Esses senhores falam tanto, discursam tanto, prometem tanto… E a pobre A.S., de 26 anos e tantos sonhos, vivendo na maior cidade do hemisfério sul, sequer consegue um clínico geral para consultá-la e avaliar seus exames… Como efeito, vale a pena ponderar sobre a distância entre o que tanto anunciam nossos homens públicos e o que realmente fazem em prol do bem comum.