"Não há que ser forte. Há que ser flexível" (Provérbio chinês)
01. Assim como as tropas americanas andam perdidas pelos mares do Golfo, outro batalhão de ocidentais anda desorientado pelos confins do Oriente. Não são atores globais, não. São os jornalistas que preparam-se para cobrir uma eventual guerra. Um conflito que ainda ninguém sabe como e onde vai ser, qual o tempo de duração e quais são exatamente as forças em combate.
02. Uma situação um tanto quanto difusa visto que, embora todos os focos e miras apontem Osama Bin Laden, ninguém sabe exatamente o perfil do inimigo. Não há apenas um único país envolvido. Fala-se em poderoso grupo com ramificações em 50 países, que pode receber outras tantas adesões a partir de interesses os mais diversos possíveis. Fala-se em confronto religioso e étnico, em guerra de civilizações e outras tantas imagens que assustam e colocam a humanidade entre a cruz e a espada, entre o míssil e o homem-bomba suicida.
03. É tamanha a confusão que só nos Estados Unidos existem 500 presos suspeitos de terem ligação com grupos que tramaram a tragédia de 11 de setembro. Outros cento e tantos continuam sendo procurados. Ou seja, se os mais bem equipados serviços de inteligência do mundo não conseguem agir com objetividade, imagine o que sobra de informação e contra-informação para os repórteres apurarem.
04. Outros fatores contribuem para agravar a situação para soldados e repórteres. O Afeganistão possui uma geografia absolutamente irregular e hostil. Há a barreira do idioma e dialetos, os costumes tribais, a precariedade das redes de transmissão e, sobretudo, a miséria e brutalização de um povo que vive em conflito há mais de 20 anos. E que praticamente não conhece outra realidade senão a guerra.
05. Para se ter uma idéia, as empresas jornalísticas não sabem exatamente quantos profissionais mandar para a frente de combate. Menos ainda sabem qual o grau de liberdade e independência que esse contingente vai ter para trabalhar. Dois conflitos relativamente recentes — o do Vietnã, nos anos 70, e o do Golfo, em 91/92 — vem sendo citadas como exemplo do que se deve ou não fazer.
06. Na Guerra do Vietnã, os jornalistas tiveram ampla liberdade de atuação e, de forma bem contundente, acabaram por disseminar com suas reportagens um sentimento anti-bélico na opinião pública americana. Quando os horrores dos combates invadiram a sala de jantar do americano e, via TV, tomou-se consciência das atrocidades que ocorriam no Vietnã, houve uma forte manifestação popular para que a guerra terminasse e toda uma geração, mundo afora, andou com os dedos em V a cantar, em prosa e verso, o slogan
paz e amor.
07. No conflito do Golfo, houve todo um monitoramento do Pentágono sobre os passos dos repórteres. O que poderiam ou não mostrar. Foi quando a Rede CNN se consagrou mundialmente como referência em jornalismo, com tentativas de furar esse bloqueio, custasse o que custasse. Ainda hoje, entre os profissionais americanos, há um consenso que os 1.400 jornalistas que cobriram a Guerra do Golfo não puderam trabalhar com a liberdade e isenção desejadas. As principais notícias vinham filtradas pelos assessores do Comitê de Defesa e Segurança. Invariavelmente, para inviabilizar os passos dos repórteres, eram alegados
interesse do Estado ou risco de morte iminente.
08. Depois desse conflito, ainda em 92, uma comissão de jornalistas reuniu-se com representantes do Comitê para elaborar um código de princípios que nortearia a cobertura de eventuais guerras. A linha mestre, obviamente, foi a atuação independente dos jornais. É exatamente o respeito a esse código que hoje querem os profissionais de Imprensa de todo mundo. A paz, desde os tempos do Império Romano, nunca foi uma moeda de um lado só. Para equilibrá-la, por mais difícil que pareça, é preciso mais do que coragem e desprendimento. É preciso que todos os cidadãos tenham acesso a um mundo digno e socialmente mais justo — e a informação livre e independente é fundamental para essa mudança que, diga-se, é inevitável…