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A vida como ela é

"Por que cometer erros antigos se há tantos erros novos a escolher" (Bertrand Russel)

01. Por essa nem o noveleiro-mor Manoel Carlos esperava. De resto, queria muito ver a cara do excelente Datena ao comentar a notícia da freirinha do Ipiranga, essa mesma que forjou o próprio seqüestro para poder dar a luz a um filho (que tem nome de galã, inclusive: Arthur Jaime), fruto de um romance proibido com um perueiro. Dá para imaginar o desespero dessa jovem senhora, de 38 anos, que ao ser encontrada por volta das 19 horas na Estação Itaquera do Metrô estava arrasada, quase em pânico, como definiram os policiais.

02. Dá para imaginar, eu disse; mas nunca vamos ter a exata noção do que ela viveu nesses últimos três meses… Foi tamanho o desvario que ela chegou a abandonar o bebê, três dias depois do parto que ocorreu no dia 9 de julho. E abandonou aonde? Justamente no banco da igreja de Santa Cecília, na região central, durante a celebração de uma missa. Essa seria uma cena que, se transposta para a ficção, talvez os mais conservadores não permitissem que fosse gravada numa igreja de verdade. Mas, foi lá que aconteceu, com toda sua densidade dramática e real.

03. Felizmente, a criança foi recolhida ao SOS Criança, onde dois casais já se apresentaram para adotá-la. Mas, a mãe, tal e qual uma protagonista arrependida, agora só quer uma coisa: recuperar a guarda e viver unicamente em função do filho, hoje com 25 dias de vida e aventuras.

04. Vale fazer aqui uma edição condensada dos capítulos iniciais dessa história real. A irmã sumiu em 21 de maio, depois de sair da igreja de Santa Edwiges. A partir daí, as freiras que moravam com ela passaram a receber telefonemas dos eventuais seqüestradores, sempre dados por uma mulher de voz estranha. A polícia foi acionada e começou as buscas em hospitais, no IML e na favela de Heliópolis, onde ela também trabalhava com a comunidade. Estranhou, mas continuou as investigações.

05. Nesse período, a irmã morou numa pensão em Itaquera e deu a luz no Hospital da Vila Maria. Tudo começou na primavera de 2000, quando tomou uma lotação rumo ao Instituto Domiciano, onde cursava o terceiro ano de Teologia. Houve uma aproximação entre ela e o perueiro, e todos os dias ela passou a esperar a condução. O romance foi inevitável. E deu no que deu…

06. À polícia, a irmã disse que fez tudo o que fez porque estava desesperada. Mesmo assim, será enquadrada no artigo 340 do Código Penal Brasileiro, que trata de comunicação falsa de crime (de um a seis meses de detenção). Também vai responder por abandono de incapaz (de seis meses a três anos). A congregação a que pertence divulgou que vai acolhê-la junto com o filho, mas deverá desligá-la da igreja.

07. Em todo esse imbróglio não cabe censura a quem quer que seja. A Justiça deverá se pronunciar. Tomara que todos se dêem bem — e que haja um final feliz, muito especialmente para o Arthur Jaime. Tomara que ele viva num tempo melhor do que o nosso, onde um erro, um mal-passo, a tal armadilha do destino ou tenha lá o nome que isso possa ter não leve as pessoas às portas da demência que só não se abriram para a tragédia por obra e arte divinas. Tomara que o garoto viva num tempo em que os preconceitos se derretam à luz do bom-senso.

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