"O segredo de aborrecer é o de dizer tudo" (Voltaire)
01. Voltou na segunda, dia 7. Desde 22 de dezembro afastado do trabalho, sentia-se um tanto enferrujado para começar o ano e recomeçar a habitual rotina da repartição. Entre balancetes, faturas, uma pilha de correspondência (nem nesses dias de recesso natalino, a vida em São Paulo pára, coisa de louco), deu-se conta de que os dias de descanso, como de costume, voaram e ele nem aproveitou o que merecia. Não se divertiu o que pretendia (choveu o tempo todo na praia onde se hospedou), nem descansou o suficiente (dormir em colchonete esse tempo todo só piorou sua dor nas costas). Mas, entendeu logo, férias são assim mesmo…
02. Agora, era retomar o fluxo normal das coisas — e esperar pelos feriados do Carnaval. Olhou ao redor, a sala vazia, os colegas não tardariam a chegar. Pensou numa rápida arrumação, dessas que se põe para toda a papelada inútil que guardamos durante o ano inteiro. Pensou em separar o que era importante, mas assim que começou a remexer os papéis sentiu-se entediado. Seria um serviço inútil e, de imediato, abriu o imenso saco preto e despejou tudo o que havia ao redor. Teve uma enorme sensação de alívio…
03. Ano novo, vida nova — confabulou com seus botões. Foi a deixa para lembrar de uma lista de promessas que houvera alinhavado durante esses dias de fastio. Abriu a carteira, dobrada em quatro, lá estava a tábua-da-salvação para 2002. Leu com curiosidade o que ele próprio havia escrito em letras de forma, item por item, por dias seguidos: eu preciso parar de… reclamar… fumar (êta, vício chato)… tomar café a cada quinze minutos… travar a porta do carro com a chave dentro… acordar sempre atrasado… esquecer da vida na internet… andar sem o cinto de segurança… falar demais… não anotar os recados… ver programas esportivos aos domingos… tomar refrigerantes durante as refeições… prometer iniciar a dieta na segunda-feira… opinar sobre tudo… começar a ler o jornal pelo horóscopo… me irritar por qualquer bobagem… falar ao celular a todo momento… não respeitar a faixa de pedestre… atravessar farol vermelho… procurar a mulher ideal… acreditar que só o amor constrói.
04. Achou razoável a listagem. Mas, sentiu falta de algo. Algo muito importante, por sinal. Não lembrava o quê. Repassou os itens e reparou que, ao pé da página, havia uns rabiscos com garranchos tortos e quase ilegíveis. Colocou os óculos e, com alguma dificuldade, decifrou a mensagem. Era a seguinte: eu preciso parar de listar coisas que eu nunca vou deixar de fazer. Concluiu que o vinho tinha lhe inspirado aquela frase e gostou mais ainda do recado final em letras, digamos, garrafais: viva e deixe viver…