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Quando o Brasil vai demarrar?

"Tudo o que peço é um céu sobre mim e um caminho a meus pés" (Stevenson)

01. A declaração do deputado me deixou surpreso. Não pelo conteúdo da informação. Mas, pelo uso de um verbo pouco comum em nosso dia-a-dia. A frase era mais ou menos essa que escrevo a seguir: se a candidatura de um certo ministro não demarrar até junho etc etc…. Como nunca havia ouvido — e sequer sonhava com a existência de tal palavra –, fui aos dicionários para desvendar o mistério. Confesso que cheguei até mesmo a duvidar da existência do tal verbo. Mas eis que, num dos compêndios, surge o significado de demarrar: desatar, cortar ou soltar amarras (referindo-se a embarcações), ir adiante… De origem francesa (demarrè), é comumente substituído por deslanchar, decolar…

02. Sei a quem o tal deputado estava se referindo, e o leitor também. Está evidente o esforço do Palácio do Planalto para alavancar a candidatura do ministro José Serra. Até o programa do Gugu faz parte da agenda do candidato Serra que, segundo pesquisas recentes, estancou na faixa dos 7 por cento. Com esse índice ínfimo, freqüentemente os adversários políticos fazem ironias às aspirações do ministro. Lula, há algumas semanas, rebateu a proposta tucana de debate sobre planos de governo, com chiste. Disse que, com os números atuais, o ministro só poderia debater com o sempre candidato Enéas. Roseana, que rapidamente deixou de ser a queridinha da mídia, não fez diferente. Para ela, Serra tem que crescer no mínimo 15 pontos nas pesquisa de intenção de votos para, só depois, arvorar-se a criticá-la…

03. Mas deixemos as pendengas eleitorais de lado, e voltemos ao verbo que tanta estranheza me causou. Demarrar. Fiquei pensando em tantas e tantas coisas boas que, no Brasil, ameaçaram, mas por fim não deslancharam. A democracia, por exemplo. Pensávamos que, ao elegermos nossos governantes, teríamos enfim um país contemporâneo e justo. Mas, desde as quebradas dos anos 80, o País foi um não-demarrar só: a eleição de Tancredo Neves, o Plano Cruzado, o governo Sarney e seus fiscais, a Constituinte, Collor e o fim dos marajás, o pós-Impeachment, o Plano Real, FHC, a seleção de 98, FHC 2, as CPIs,o basta aos políticos corruptos com a denúncia de uma série de escândalos envolvendo nomes de medalhões como Maluf, Jáder, Lalau, ACM, entre outros…

04. É uma lista que não tem fim. Ficamos sempre no agora vai e acabamos não indo. Invariavelmente, comprometemos o que deveria ser o objetivo final de nosso empenho, a tal justiça social. A construção de um Brasil para todos os brasileiros.

05. Uma história local que já devo ter contado aqui, mas volto a contar porque serve de alerta: a expansão da favela de Heliópolis.

06. Até início dos anos 70, toda aquela área entre Ipiranga e São Caetano era uma sucessão de campos de futebol e terrenos vazios. O saudoso professor Francisco Teodoro Mendes idealizou para o lugar a construção de um conjunto poliesportivo. Posteriormente, quando surgiu o primeiro Núcleo Habitacional Temporário, o então vereador Almir Guimarães alinhavou um projeto de um pólo habitacional com preservação das áreas verdes. Esse projeto ganhou contornos mais nítidos quando o deputado federal Arnaldo Madeira era secretário da Habitação do prefeito Mário Covas, em 83/84. Jânio Quadros assumiu a Prefeitura e o projeto não decolou. Os janistas então prepararam outro que não foi em frente na gestão seguinte, da prefeita Erundina. Assim Heliópolis (na tradução, a cidade do sol) virou o que hoje é: a maior favela da cidade.

07. Claro que motivos políticos levaram uns e outros a criar e a vetar projetos para o local. Poucos pensaram no bem-estar social que, em última análise, é objetivo final de todo trabalho público. Aliás, ontem, na sala de aula, ao comentar a notícia com os alunos, ouvi de um deles o atual retrato do Brasil: professor, por aqui, pelo jeito a única coisa que pode demarrar é a epidemia de dengue.

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