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Sobre as diretas, os amigos e a esperança…

"E olhe: tudo quanto há, é aviso" (Graciliano Ramos)

01. A então aprazível Praça da Sé assistiu à segunda manifestação oficial pró-Diretas para presidente numa terça-feira cinzenta, 24 de janeiro de 1984. Arrebatada por centenas de milhares de corações ansiosos por novos dias, a Praça de todos os paulistanos foi, naquela tarde/noite, palco de um momento único na História do País.

02. Explico a razão. O movimento das Diretas-Já foi de uma luminosidade rigorosamente solar. O ápice — creio — de uma geração. Acreditávamos, com entusiasmo juvenil, nos ideais da redemocratização. Era o caminho que todos nós mapeávamos para o Brasil sair daquele estado de calamidade social e humanística.

03. Nós, aqui de Gazeta do Ipiranga, embalamos por inteiro esse sonho. Estávamos em total sintonia com os anseios da nossa gente. Lembro que o colunista de GI, Zé Armando (na verdade, o amigo José do Nascimento) estava comigo na Praça ao lado do vereador Almir Guimarães e do fotógrafo Cláudio Micheli. Almir e Cláudio haviam furado os bloqueios de segurança e já se posicionavam em pleno palanque das autoridades. Eu e Nascimento ficamos para trás. Sentamos nos degraus da catedral, atrás do palanque. Dali ouvíamos os discursos entusiasmados e a emoção na voz do locutor das diretas, o radialista Osmar Santos. Era um momento mágico, inebriante… Todos acreditavam.

04. Quase todos. Nascimento chamou minha atenção para um grupo de moradores da região. Tomavam um canto da praça, com faixas, bandeiras, entusiasmo e fé. Eram pessoas comuns, sem vínculos partidários e, pela primeira vez, participavam de manifestação como aquela. Acreditavam que a hora da mudança havia chegado… Eu também.

05. Pena que a emenda Dante de Oliveira (que propunha eleições diretas para presidente já em 85) não vai passar. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, profetizou o amigo. Às vezes, o Nasci era um estraga-prazer, com sua lucidez. Tentei dissuadí-lo. Falei que as Diretas eram irreversíveis. E toda aquela gente na praça? Mais de um milhão. Era apenas o começo, ouviu? Em breve, a Nação teria voz e vez — imitei o chavão do vereador.

06. Na sexta, o jornal saiu com a manchete Diretas Já. E todos de GI ficamos orgulhosos. Sem qualquer censura, relatamos tudo o que havia acontecido na praça e ainda reforçamos, nesta mesma seção, nossa fé. Diretas-Já! Era o que nos cabia enquanto jornalistas e cidadãos. Foi o que fizemos…

07. Retomo essa história um tanto pela saudade de dois amigos que se foram (Nasci e Cláudio) e outro que não vejo há tempos (o Almir). Mas, também e principalmente, revejo esses dias para tentar entender o vazio político do momento atual. Para onde foi o nosso sonho?

08. Estamos no preâmbulo de uma campanha presidencial das mais acirradas, com quatro ou cinco nomes já se articulando como presidenciáveis. Não vou perder espaço relacionando-os aqui, até porque as pesquisas fazem isso quase que semanalmente. No entanto, nenhum deles — e escrevo isso, com grande desalento — chega a nos convencer a retomar nossa fé em dias melhores.

09. Esse buraco existencial é a grande herança do neoliberalismo globalizante. De decepção em decepção, os homens de Brasília nos legaram esses tempos do apagão — e em todos os sentidos: ético, moral e social. Assim como um velho amigo distante, o brasileiro, hoje, também não sabe onde anda aquilo que lhe era tão nato e o que o distinguia de outros povos: a esperança. Ela não nos fazia melhor, nem pior do que outras nações. Mas, éramos bem mais brasileiros, felizes e sonhadores.

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