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Nos confins do faz de conta

"Coragem grande é dizer sim" — Caetano Veloso

Você me pergunta sobre as eleições? Antes me pergunta como vão as coisas? A quantas ando? Bem deixemos as eleições pra lá… Em essência, é o que muitos estão fazendo nesse arenoso 2006. Vou lhe dizer: ando pela aí como sempre. Nada de muito especial. Cheio de planos e vontades. Mas, como de costume, tocando o que dá para ser tocado nas miudezas do dia-a-dia. Mais ou menos aquilo que li/ouvi certo dia, nem sei a que propósito. "Parece que todos são príncipes, e a mim coube a parte do sapo". Na verdade, seria injusto reclamar da calmaria da minha lagoa. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

Sinceramente. Não sei lhe responder porque a gente não se fala/vê com mais freqüência. Dizem que é a tal roda da vida. Vontade não falta. Para o tempo sempre se dá um jeito. Mas, é que a vida anda tão desengonçada ultimamente ou será que eu perdi meu dom de andar sobre o arame? DE reverter o não pelo sim?

De qualquer modo, como vê, agora estou aqui e, se me permite, quero dividir com vocês essas tais lentes embaçadas que os terapeutas costumam nos dizer ‘sempre usamos’ quando andamos tristes e/ou inseguros. A querer o impossível.

Acho que é um pouco assim que eu definiria esse momento pré eleitoral.

Aliás, pra ser bem franco, em tempos de desvario, como os que vivemos, todos parecem olhar o planeta — exagero? — de um jeito nebuloso, tosco. Diria que preferem não ver o que há para ver, pois certamente o que veem não é o que gostariam de ver. E o que gostariam de ver não está, por este ou aquele motivo, ao alcance do seu olhar.

Desculpe o nó de letrinhas. Mas, repito, estamos numa corrida maluca chamada vida — e nos parece que alguns raros têm o dom de Schumaker. Para nós, pobres iguais, cabe a função e as desculpas do Barrichelo na melhor das hipóteses. Pior: há dias que a gente se sente bem uma Minardi a se arrastar por um circuito que agora, a essa altura da prova/vida, já não sabemos como e onde começou e como vai acabar.

Talvez a gente se refresque com o vento, quando outro mais nos ultrapassar. Talvez a gente diga ufa, desta eu escapei quando nos depararmos com um baita acidente na curva. Vale também esperar que entre o carro-madrinha – o chamado destino – para recolocar todos os competidores alinhados, como uma chance de começar tudo outra vez e agora. ‘Bem, agora vai dar tudo certo’, pensamos.

Argh! Também nos assusta — e como — a alternativa de pararmos nos boxes para um simples pit-stop, e sermos obrigado a desistir.

Lá no mais antigo dos anos, entrevistei o garoto que fez o filme Menino da Porteira, um baita sucesso com Sérgio Reis. A antiga toada regravada virou filme. E o garotinho Márcio Costa fazia o personagem-título. Tinha nove, dez anos, se tanto. A mãe o levou ao jornal e falava por ele que, por sua vez, ficava a se olhar no reflexo do vidro da janela da redação. Alheio ao que se passava ao redor, ajeitava o cabelo, fazia caretas, sorria, gesticulava num mundo que era só dele. E a mãe a dizer que o filho nascera para a arte e ele a interpretar ele mesmo em frente a janela.

Essa imagem ficou na minha cabeça. Toda vez que queria falar de algo que parecia ser bom mas não era contava a tal história. O tempo, senhor de todos os ritmos, passou. O menino, depois do filme, fez algumas novelas, outras tantas peças teatrais. Porém, nunca mais alcançou a mesma projeção. Viirou adulto e os papéis rareavam. Reapareceu na redação várias vezes. Ora para divulgar o curso de teatro que iria ministrar na escola tal, ora para falar do personagem incrível que iria representar numa peça infantil, ora para dizer que seria escalado para a novela xyz — papel que invariavelmente perdia para os novos meninos da porteira, de todas as idades e procedências.

Num dia de julho de 2004, o tal menino, agora aos 36 anos, não sei se diante da janela ou do espelho, encenou o derradeiro personagem. Com um tiro pôs fim à vida e ao que entendia ser a promissora carreira. Ninguém pôde explicar o gesto. Saiu uma brevíssima nota sobre o fato num jornal da região do Ipiranga, bairro onde sempre morou.

Não sei porque lembrei essa história agora. Talvez para que fiquemos atentos aos dois lados da moeda para o outro lado da moeda. É a vida que nos enreda e nos exige forte e, ao mesmo tempo, que tenhamos a desfaçatez de não nos levarmos a sério. A nós, aos nossos quereres, à nossa rotina. Algo assim como a leveza de um filme do Carlitos – que, por sinal, era o apelido do meu avô.

Repare como o vagabundo toca a vida, mesmo na maior das aflições. Os chefes, as autoridades, os poderosos são invariavelmente medíocres, bizarros – qualquer semelhança como nosso pavoroso momento eleitoral é mera coincidência. Os amores tardam, se esgueiram daqui e dali. Mas chegam e, o que é melhor, sempre chegam no momento certo. Ter o auxílio luxuoso não de um pandeiro, pois não nascemos Luiz Melodia, mas de uma bengalinha e um chapéu coco (ou mesmo de um sorriso, de um olhar) para dar um certo ritmo à nossa caminhada porque a estrada, moça, é longa e sinuosa. Perde-se nos confins do faz-de-conta e nos é infinita enquanto se chamar esperança.

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