Já fazia parte da escrita da Redação.
No dia 28 de cada mês, Nasci era o primeiro a chegar à Redação. No início, não atinamos que a data se repetia. Apenas estranhávamos e nos perguntávamos:
— O que deu no Velho? Assim cedo por aqui?
Óbvio que, após a observação feita à boca pequena por nós, as piadas de mau gosto eram inevitáveis – e eu me nego a reproduzi-las aqui; afinal este é um blog-família…
Deixe-me explicar. O Nasci era um cara tido, havido e vivido nos becos, bocas e bocados da vida. Sempre que podia – e podia sempre – gostava de esticar o fim do expediente com um happy-hour mais prolongado, num boteco malafamado entre a Bom Pastor e a Greenfeld. Ali, onde o Sacomã torce o rabo, ele dividia o balcão de mármore – antigo e desgastado por copos, garrafas e cotovelos – com pés-de-cana, desvalidos, curiosos e afins.
Vez ou outra dávamos a cara por ali. Mais para ouvir a conversa do Nasci, suas histórias e os amigos inesperados que apareciam, como se fossem trôpegos personagens dos livros do João Antônio.
II.
Produtor da TV Record nos tempos áureos da emissora, dono de agência de publicidade, coordenador de campanhas políticas, relações públicas do Clube Atlético Ypiranga. O currículo do homem era longo.
Era um cara inteligentíssimo. Uma referência para todos da Redação, onde assinava uma coluna com o codinome de Zé Armando. Gostávamos de provocá-lo e principalmente de aprender com as bem-humoradas respostas. E, principalmente, conselhos…
— Nasci, a Tânia me deixou. Pegou seus trens e voltou pra Minas – disse o repórter abandonado desolado.
— Ops. Não se desespere, meu caro. Mulher, quando começa a reclamar a encher o saco, é bom que vá embora mesmo. Aprenda. As mulheres mudam. E esquecem de nos avisar. Erga as mãos para o céu. Você é um homem livre.
Não era a resposta que o moço queria ouvir. Mas, pelo menos, acabava com o choramingar pelos cantos da Redação.
III.
Por aí íamos vivendo e aprendendo com ele. De santo, está claro, o Nasci não tinha nada. Por isso, todos nos surpreendemos com a revelação do mistério do primeiro parágrafo. Qual o motivo que o homem invariavelmente madrugava na Redação todo fim do mês, mais precisamente dia 28? Não era carteado. Não era uma amante argentina. Nem havia virado a noite na farra. Não era nada do que se esperava ou se supunha…
Nasci vinha direto do Santuário de São Judas Tadeu, onde chegava lá pelas 5 da matina. O malaco se transformava em devoto e agradecia ao ‘Santo dos Desesperados’ uma eventual graça – que nunca nos revelou – ou coisa que o valha…
Num 28 de outubro, dia consagrado ao santo, alguém nos disse que viu o Nasci na igreja do Jabaquara. Um carola!!! – era o que nos faltava para ‘cutucar’ o Mestre. Quando lhe contamos a descoberta em tom de grande feito, apenas sorriu como a nos dizer:
— Que bobos…
Uma baforada no indefectível cachimbo encerrou a conversa.
IV.
Curioso.
Tantos anos depois, quando encontro um dos nossos, é uma celebração. Papo vai, papo vem, descubro que há um pacto silencioso entre nós. Mesmo distantes, quase nunca nos vemos, todo o dia 28, invocamos a proteção de São Judas, rezamos pelos amigos. Saudamos a vida e, assim, amenizamos a enorme saudades que o Nasci deixou entre nós.
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]