Por Vanessa Schultz
Buenos Aires, 19 de outubro de 2010.
Hoje encontrei o Rodolfo em Buenos Aires. Continua o mesmo. Cara de homem e olhos de rapaz. Tomamos chá mate no café da esquina. Perguntei: “Por que não me disse que vinha a Buenos Aires:” Ele respondeu: “Nunca soube que morava aqui.”
Parei para pensar se não havia escrito para ele a respeito de mais uma mudança. Entre tantas idas e vindas, aos poucos pessoas queridas são elimidas da lista de contatos frequentes, assim como eu fui eliminada por tantos.
Olhei nostálgica para o nada e senti a dor de não escrever para todos. Será isso possível? Contei um breve história. Escondi as dores das decisões. Não falei da solidão. Não mencionei a alegria.
“Em dezembro de 2008, mudei-me para Buenos Aires. Cansei-me do ar úmido da Escócia. Cansei de falar inglês. Resolvi ir para o Brasil. Estava procurando passagens na internet, quando me deparei com uma barganha para Buenos Aires. Pensei: ‘Nada mal aprender espanhol.’ Mais uma vez adiei meus planos de me deparar com o inevitável”, resumi.
“O que é inevitável?”, perguntou.
“A verdade de que não tenho vida profissional. Ser estrangeira é profissão fora do Brasil. Eu posso ter qualquer trabalho. Não importa. Sou apenas estrangeira. No Brasil, sou brasileira. E lá, tenho profissão. Ou melhor, tenho diploma. A verdade é que nunca fui e nem serei jornalista. Eu escrevo, mas também não sou escritora. Fugi para Buenos Aires, para aprender outra língua que um dia será útil para a profissão. Mas qual profissão?”, refleti.
“Qual profissão…”, refletiu.
“Sou fugitiva. Fujo da revelação de que sou o que nunca sonhei e de que sonhei ser quem jamais serei”, concluí.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ele então recebeu um telefonema.
Levantou-se e se distanciou de mim para conversar. Quando voltou, disse:
“Eu vim para Buenos Aires por alguns dias porque me apaixonei por uma argentina. Estou indo encontrá-la.”
Eu escrevi meu telefone em um pedaço de guardanapo e disse para ele me telefonar para nos encontrarmos de novo.
Não pude me conter e o segui por duas quadras. Ele parou em uma esquina onde ficou parou por um tempo, como se estivesse esperando por alguém. Depois de cinco minutos, avistei uma mulher atravessando a rua. Ela vestia um vestido vermelho. Um cinto branco contornava a fina cintura. O andar era esplêndido. A boca vermelha estava pintada de vermelho. O rabo de cavalo prendia os cabelos pretos. Não pude ver a cor dos olhos. Só podiam ser negros. Notei o salto alto, vermelho e branco. Pensei: “Mulher maravilhosa! Tenho certeza de que ela é dançarina de tango.” Perdida em meus pensamentos, o perdi de vista. Corri até a esquina, olhei para todos os lados, mas só consegui ver a cabeça da mulher esplêndida. “Vou segui-la.” Consegui me aproximar dela rápido, porque eu usava tênis. Quando olhei para a cintura, ao invés do cinto branco, vi o braço de um homem que a queria só para ele.
Não sei se me surpreendi quando reconheci o braço, o cabelo, a roupa do homem apaixonado. “Por que não se apaixonar mais uma vez?”, pensamos.
Duas semanas depois, ele me enviou uma mensagem: “Desculpe, mas tive que voltar para o Brasil. Não consegui me livrar da professora de tango que insistia em me dar aulas particulares todos os dias.”