“Cláudio Abramo, notável jornalista e ser humano, pediu, em um dos últimos textos por ele assinados neste espaço (coluna da página 2 da Folha de S.Paulo), antes de morrer em 1987, que os jornalistas não perdêssemos a capacidade de indignação”.
Caro mestre, juro que tentei seguir sua lição. Mas, confesso que está ficando mais e mais difícil. Não que falte, neste país, matéria-prima para a indignação. Ao contrário, sobra.”
O texto é do jornalista Clóvis Rossi e foi escrito em 2002 – e não recentemente como poderíamos entender, vide noticiários. Motivos para tanto não faltam a qualquer jornalista que se preze e preze a profissão.
Achei mais do que oportuno recuperá-lo. Também porque fala um pouco por mim. Modestamente…
II.
Há 32 anos, estou nessa de rolar pedra em jornalismo – 30 dos quais, em veículos e publicações e dois como coordenador de curso de jornalismo.
Não me queixo. Não escolhi essa vida – queria ser guitarrista ou jogador de futebol, no mais antigo dos anos. Confesso, porém, fui (e sou) feliz em tudo o que fiz e faço, apesar dos erros (muitos) e dos acertos (alguns).
Mas, tem dias, internauta amigo, que não é fácil.
III.
Nós, jornalistas, ficamos com a sensação de Sísifo, aquele herói da mitologia greco-romana incumbido de eternamente rolar uma grande pedra morro acima…
Em texto recente, também rolei minha pedra, e fiz meu desabafo:
“ Há um momento – ou vários – em nossa vida profissional em que nos sentimos descorçoados, algo debilitados, quase-quase a entregar os pontos, os ideais e os textos. A lida na redação não é simples, e há dias que se tornam a mais escura das noites. Nada parece fluir, fazer sentido. De alguma forma, temos a alma trincada por não ver os resultados que tanto almejamos com o suor diário. Há um sentimento de cansaço por lutar as mesmas lutas. Sonhar os mesmos sonhos. Escrever o mesmo texto zilhões de vezes. A impressão é a de que martelamos a ferro frio a utopia da construção de um mundo melhor.”
IV.
Na verdade, trata-se de um trecho do pronunciamento que fiz numa das colações de grau de estudantes de jornalismo, ainda neste ano. Lembro que depois de mim outro orador foi a tribuna – e como vão oradores à tribuna nessas cerimônias! Não deixou por menos. E disse:
— Ao contrário do Rodolfo, sempre trabalhei no que me fez feliz…
Fina ironia. Quase interrompi a fala do felizardo. Iria lhe lembrar EDUCADAMENTE que não me sentia infeliz pro trabalhar com jornalismo. É que falei de Redação, onde o couro come doído e a vida tem vida. E nem sempre podemos sair por aí a noticiar só o que gostaríamos. Com manchetes do tipo:
“O MUNDO É LINDO”
“NÃO HÁ MAIS CRIANÇA COM FOME NA TERRA”
“ENFIM, A PAZ”
Aliás, estamos bem longe disso. E não por nossa vontade.
"Enfim… " – como diz Dona Encrenca, uma personagem que você logo vai conhecer. Prometo!
Mas, não vamos fugir do assunto.
V.
O leitor mais atento já percebeu onde quero chegar. Isso mesmo. Também estou na bronca com o vergonhoso aumento com que os próprios parlamentares pretendem (iam) se auto presentear. 91 por cento. “É um absurdo maior de grande”, como diria o amigo Dinoel que hoje não deu às caras por aqui (toc, toc, toc).
Olhe o que escrevi em outubro de 1996:
“Acrescente-se o costumeiro oportunismo de nossos políticos, sempre prontos em legislar em causa própria. Agora mesmo, na votação da reforma administrativa, conseguiram fazer mudança constitucional bem insidiosa. O novo item permite que os próprios parlamentares aumentem seus salários quando quiserem independentes dos reajustes nos outros Poderes.”
Não vou me descabelar até porque os cabelos andam ralos. Vou pedir que visite o ícone Toques e Retoques, na barra à direita. Acesse o link “reajuste 91%” e deixe lá sua bronca – é um manifesto público contra mais esse abuso que fere a alma, o bolso e a dignidade das gentes brasileiras.
Vamos lá, conto com você.
É isso.