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Highlander

Certa vez, li um livro de nome ‘Cartas do Meu Moinho’, se não me engano. Era de um autor francês, Alphonse Deaudet, que deixou Paris no final do século 19 para viver solitário em Provença. Confesso: me seduziu a idéia de um personagem isolar-se num velho moinho a refletir sobre o mundo e os aldeões que encontrava em andanças provincianas. Dali, ele enviava cartas e textos aos amigos que os publicavam em jornais da Cidade Luz.

Não sei onde anda o livro. Lembro que alguém me emprestou para uma leitura rápida. Li e devolvi. Mas, a idéia do cronista itinerante de aldeia em aldeia que tem como porto-seguro o aconchego de um velho moinho, repito, me seduziu e conquistou. Depois de anos, encontrei por acaso num sebo um exemplar da obra que fora relançada como parte de uma coleção chamada ‘Reencontro’, adaptado para o português pelo cronista Paulo Mendes Campos. Na primeira página, surpreendeu-me uma dedicatória, escrita por esferográfica conduzida pela mão segura de uma mulher apaixonada. O recado, ainda hoje, me comove.

Diz:

“Interessante o nome da série, não?!"

Óbvio que fiquei com livro. Pelas histórias, pelo tradutor – um dos meus cronistas favoritos e também pelo teor da dedicatória. Me pareceu um recomeço que a moça apostava seria eterno. Mas que, pelo volume abandonado na estante da loja, teve a brevidade do tempo que existiu…

Pois é…

Aliás, ‘pois é’ é o nome da coluna que, durante algum tempo, quis escrever em alguma publicação. Nunca soube bem qual. Mas, o nome sempre me pareceu bom e apropriado para as bobagens que escrevo. Estava só na universidade e sentia falta do contato com os leitores que sempre tive nas redações por onde passei. Assaltou-me também o temor de que minhas histórias se perdessem numa imaginária prateleira das coisas esquecidas.

Mesmo assim, não levei a idéia adiante. Que personagem estranho sou eu? Ando sempre atrapalhado com compromissos e coisas que já deveria ter feito. Por outra, há que se dizer, gosto muito de não fazer nada. Ficar a deriva nos fins de semana e feriadões, feito garrafa que o naufrago atira ao mar em busca de socorro.

Daí que muitas vezes preciso de muitos ‘helps’ para que o tempo, senhor de todos os destinos, não abocanhe meus projetos pelas beiradas.

Querem um exemplo da minha desatenção?

Nos anos 80, trabalhava em Gazeta do Ipiranga e fazia mil e um serviços mais – diagramava um jornal espanhol chamado Alborada, uma revista chamada A Verdade e a Gazeta de São Bernardo, revisava o Jornal da Orla, escrevia sobre música para a publicação que me convidasse (quando não me convidavam, eu me oferecia), estava envolvido na campanha das Diretas etc etc etc …

Só aparecia em casa pra dormir.

Foi assim por anos a fio. Lá pelos meados dos anos 90 fui aparar a barba no Abílio, que tem um minúsculo salão de barbeiro na rua Bom Pastor há uns 60 anos. Lá, vi uma televisão usada – e bem antigona – à venda.

Fiquei imaginar quem compraria aquela peça de museu. Por dez tostões, que fosse. Só mesmo um highlander, daqueles imortais, nascidos no mais antigo dos anos. Que por séculos combate as forças das trevas. Há os bons e ruins. Só morrem quando lutam entre si e lhes cortam a cabeça. No fim dos tempos, só restará um – o mais poderoso deles. É o que dizem a lenda e a série de filmes que fez um relativo sucesso nos anos 90.

Lembram-se?

Pois é…

Voltemos ao salão do Abílio…

Esperava minha vez de ser atendido e olhava a TV. Me pareceu próxima. Segundos depois, me dei conta de que aquela trapitonga era igual ao modelo que tinha em casa – e, correu um filminho na minha mente, percebi que os anos 70 eram a supremacia de móveis e utensílios do esquecido Solar dos Martinos.

Não que hoje me bata pelo top de linha ou pela última palavra em tecnologia. Mas, que foi engraçado foi. Não havia me dado conta da voracidade do tempo…

III.

Juntei essas duas histórias hoje e quis lhes contar, meus cinco ou seis amados leitores, porque acredito narram a origem deste site/blog. Não moro em um moinho, na região nobre da França, é bem verdade. Mas hoje posso mandar minhas histórias – que seriam o conteúdo da coluna que idealizei – para amigos, leitores e quem mais se dispuser a lê-las, via net.

De resto, reparem: continuo atrapalhado e sempre em cima do laço com as obrigações cotidianas – fazer o Imposto de Renda, por exemplo. Não almejo a Academia dos imortais, nem a eternidade dos grandes autores. Sou um grão de sal no mar do céu. E, reconheço, tenho a brevidade do tempo que existir. Mas, esse enfileirar de letrinhas diário – aqui neste modestíssimo blog – me dá a estranha – e agradável – sensação de ser o último dos highlanders. Em lugar de espadas e lanças, me defendo como posso com palavras e sonhos.

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