Uma surpresa me aguardava em casa na sexta da semana passada.
Cheguei para o almoço e lá estava: um aviso de cobrança de uma multa de trânsito, com a foto do meu carro e tudo. Foi aqui na alça de acesso a Rudge Ramos, São Bernardo, onde está localizada a Universidade Metodista. Passei pelo radar – que não vi, devia estar devidamente camuflado – a estúpidos 45 por hora. Uma insanidade, de minha parte.
O limite de velocidade para o local é de 40.
Confesso meu erro.
Sou mesmo um irresponsável. Passo quase todos os dias por ali – e nem sei como consigo segurar o carro. Que se transforma em um bólido, a 45 km/h. Quanto malabarismo.
Se for a 40, tudo bem. Mas, a 45…
Dada à preocupação demonstrada pelas autoridades do tráfego, fico mais tranqüilo com a segurança de todos. Pois, se estão empenhados em tais minúcias, é porque outros problemas estão sanados.
Quase não temos o que melhorar em nossas belas rodovias e no trânsito de uma forma geral. Congestionamentos, má sinalização, motoristas ao “Deus-dará” quando mais precisam, insegurança. Não. Definitivamente. Essas aberrações não existem.
Agora que tudo anda às mil maravilhas, têm razão esses senhores: não podemos esmorecer.
Andar a 45 km/h é mesmo um absurdo.
II.
Me assalta agora a idéia de que o cerne da questão é "andar" em determinados horários na via Anchieta. Porque literalmente o trânsito pára. Mas, deve ser por algum outro motivo, mais frugais do que um simples engarrafamento, como se dizia antigamente. Um acesso – sem radar, claro – de senso de fraternidade por parte dos motoristas. Que gostam de espairecer em seus veículos enquanto vão ou voltam da lida diária. Querem se olhar. Conhecerem-se. Conversarem sobre a vida.
Bem pensado. Às vezes, até vejo algum motoqueiro acenando para um ou outro veículo. Me pareceu, a princípio, um gesto agressivo. Mas, me ocorre agora que não. É mesmo uma tentativa de comunicar-se.
Assim como esses motoristas que berram palavrões e buzinam e socam o volante. Tudo mentirinha. Só querem fazer graça, comunicar-se.
Como essa paradeira é cada vez mais freqüente e em diversos horários – ora em um sentido, ora em outro -, faz sentido a preocupação das autoridades. Estão, na verdade, a nos avisar quando saímos da rodovia:
— Olhe, não se acostumem. Cedo ou tarde terão de voltar para o mundo encantado da Anchieta.
Aí, sim, 45 km/h é demais.
III.
Neste sentido, seria interessante se houvesse vários pedágios nesses trechos, digamos, mais urbanos da Via Anchieta – entre São Paulo e o km 20, talvez. Seria portentoso. Nenhum interesse financeiro na jogada. Apenas, digamos, socializador.
Tenho certeza que organizaríamos melhor o tráfego. Tanto de ida como de volta.
Os motoristas entenderiam, claro que sim.
Afinal, nesses horários ganhamos preciosos minutos ali parados a ouvir música ou o rádiojornal. Ou apenas a refletir. Outro ganho seria se houvesse um pit-stop a mais no pedágio. Uns trocados bobos, ninguém reclamaria. Seria até interessante.
Imaginem:
— Bom dia, senhor caixa.
— Bom dia, senhor motorista.
Na outra manhã:
— Bonita camisa, senhor caixa.
— A do senhor também é linda, senhor motorista…
Vivam a cena comigo. Aquele trânsito intrigante, serpenteando a via Anchieta. E nós, lá trás, naquela fila que não anda. Mas, com a incrível sensação que logo veríamos e seríamos vistos e quiçá parados pelos policiais com seus carros embicados no recuo. À frente, o prêmio: uma breve parada para reflexão…
— Olá, senhor caixa…
— Que belo dia, senhor motorista…
IV.
Aliás outro episódio “viário” me moveu a escrever fascinado essas breves linhas. Aconteceu na manhã de sábado com o meu filho, de 27 anos. Ele operou as duas vistas e não precisa mais usar óculos para dirigir. Mas, cometeu o pecado supremo de não atualizar a carteira de habilitação. Uma falha imperdoável.
Os policiais, ali no km 18, o pararam. Até porque, convenhamos, ele tem uma expressão, digamos, beligerante. Como pai zeloso, inclusive, já lhe avisei:
— Melhore esse humor, filho. Para que ficar rangendo os dentes ao dirigir.
Creio que ele não me ouviu. Resultado: ganhou duas multas. Quer dizer uma para ele (que está enxergando melhor, mas precisaria mesmo assim estar de óculos) e outra para este pobre escriba – por constar no documento como feliz proprietário do veículo.
(Mas aqui é outra história que cai na maravilha das maravilhas que se chama Imposto de Renda. Se vendo um veículo no meu nome e compro outro no nome do meu filho. O que vendi se transforma em renda e o que comprei não quer dizer absolutamente nada. Daí, pago mais imposto. Então fica tudo como está. O que carro é meu. Mas, é ele quem usa.)
V.
Voltemos à nossa história.
Só orientá-lo no sentido de proceder a alteração necessária não bastaria. Não, não. Por isso, vamos lá: duas multas, na categoria das gravíssimas.
VI.
Compreenderam agora a necessidade do pedágio. Nesse corre-corre em que vivemos para sobrar algum $$$ no fim do mês, e também como obviamente os policiais não estão para nos orientar ou orientar o trânsito – afinal, multar é preciso –, tenho certeza que os simpáticos caixas dos pedágios não se esqueceriam de notar. Assim que meu filho parasse o carro, numa dessas manhãs outonais, dariam o alerta:
— Senhor, motorista, o que aconteceu?
— Como assim…
— O senhor está sem óculos hoje. Não pode dirigir assim.
— Operei os olhos – e não preciso mais de óculos para dirigir.
— Ah!, senhor motorista, não quero importuná-lo. Mas, lembre-se o senhor precisa atualizar sua habilitação. Se o guarda o pegar, as multas são altíssimas…
Viram? Tudo resolvido. Depois, seria só uma das tantas taxas a mais que pagaríamos…