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Bloco de anotações

Nunca diga nunca.

Não é assim que dizem por aí. Então, vou dizer por aqui. Não sei se um dia eu volto. Mas o reveillon na Champs Élysées não é lá aquelas coisas. É diferente, sim. Mas, não tem lá a transcendência que se anuncia e propala. Diferente mesmo porque se encontra gente de todas as partes do mundo. Aliás, um mar de gente encapotada e de garrafa nas mãos – como se bebe! –, que se espalha até aonde nossos olhos podem ver.

À meia-noite, é o fuzuê, sem ritmo, sem ginga ao som do espocar das rolhas do champagne. Grupos e grupos de turistas. Muitas famílias. Muitos casais. Infindáveis ‘parisienses’ de etnias diferentes a saudar o novo ano e, de alguma forma, a imensurável saudade do país de onde vieram.

O vai-e-vem constante sugere a impressão que todos começamos o Novo Ano a percorrer a célebre trilha que vai do nada a lugar nenhum.

Nós, por exemplo. A certa altura, caminhamos rumo a Tour Eiffel. Quando lá chegamos, não havia mais a iluminação que, vista de longe, lhe dava um encantamento especial, adeqüada à época. Resignados, ouvimos que as luzes piscaram só até à meia-noite. Dali em diante, a torre famosa fez-se vulto e as sombras tomaram todas aquelas paragens.

— Ô mesquinharia – disse um dos nossos.

A turma dos otimistas preferiu louvar a caminhada e os votos de “bon anée” que ouvimos e desejamos a todos com quem cruzamos pelo caminho. Entre estes, estava um casal de brasileiros, com os dois filhos aborrescentes. Também aí as opiniões se dividiram. O pai com ares de todo o cuidado é pouco. A mãe, por sua vez, até tentava uma alegria fora de hora e/ou principalmente local — talvez pensasse nas comprinhas da Galerie Lafayette. Ensaiava uns passinhos toscos sob os olhares de reprovação das crianças. Nelas, era visível o desconforto e a lembrança da farra que poderiam estar fazendo, naquele preciso instante, se estivessem no Brasil com os amigos.

Enfim, c’est la vie…

II.

Dei boas-vindas ao Novo ano com um arrependimento.

Não sei se deveria. Mas, vou lhes confessar: queria ter comprado um cachorrinho de pelúcia numa lojinha do free-shopp, ainda em Zurique. Nem lembro o preço. Mas, não era caro, não. Cabia na palma de uma das minhas mãos, com sobra. Macio e jeitoso. Com uma cara simpática a sugerir: “Me leva com você”.

Não levei.

Ninguém entenderia aquele cãozinho na minha bagagem. Nem eu mesmo. Mas, sei que faria bonito se desse de presente para alguém.

Mas, a quem?

A uma criança, por exemplo. Das tantas que tenho na família. Reúno uma sobrinhada de fazer inveja. Levaria o primeiro espertinho que fizesse aquela perguntinha constrangedoramente chata.

— Trouxe presente para mim?

Tiraria o bichinho da mala – e certamente ganharia um baita sorriso de agradecimento. E quem sabe um daqueles abraços espontâneos que só as crianças sabem dar?

Mas, ops, um instante…

E os outros sobrinhos quando soubessem?

Olha a encrenca! Seria um chororô sem fim – e os pais com aqueles comentários básicos.

–Mas, esse cunhado, hein. Não dá uma dentro…

Todos se zangariam de montão, e com razão.

Melhor deixar o bichinho e toda sua família – ele com a dele, eu com a minha — naquele cesto na porta da loja. Evitei uma grande confusão.

Só espero que o simpático não esteja por lá quando passar por Zurique de regresso ao Brasil.

Não sei se resistiria…

III.

É a típica francesinha dos dias atuais. Deve ter pouco mais de 20 anos, se tanto. A beleza típica mistura os traços suaves do rosto, a pele branca, os cabelos castanhos claros. Esbelta e, por natureza, elegante.

Usa casaco longo em tons escuros – o preto predomina. A cabeça coberta por gorro, capuz ou chapéu; um mais criativo que o outro. Assim à distância, observo que não abre mão da discrição no gestual, no tom de voz, no caminhar.

E como caminham essas francezinhas! Pelas ruas, alamedas e boulevards parisienses. Sempre com o cigarro em uma das mãos e outro vício danado – o celular – na outra.

À espera de quem?

Sei lá. Sei que há uma cena comum nesta época do ano. A moça se esconde do frio no primeiro canto que aparecer e se põe a falar no celular entre uma tragada e outra. Falam que falam essas garotas? Meigas e, ao mesmo tempo, insinuantes. Frágeis e perigosas. Ameaçadoras.

Reparo a moça que agora entra no café onde estou. Livra-se dos agasalhos com a ajuda do garçom, ajeita os cabelos pra lá e pra cá (deve ser força do hábito, pois lhes caíram exatamente como estavam) e pede um café. Está só.

Ato contínuo, abre a bolsa. Adivinhem? Saca o celular e o coloca sobre a mesa, como se fosse usá-lo a qualquer momento. Na seqüência, puxa um papelote e um saquinho esverdeado, de onde tira um punhado de fumo.

— Não acredito, disse aos botões do meu sobretudo que giraram para esquerda e para a direita, também, como eu, atônitos.

Imaginei como reagiriam as pessoas que estavam no café, brasserie e restaurant. Indiferentes ou haveria uma comoção. Nada disso. Me alarmei à toa. Nem por isso deixa de ser surpreendente. Era um desses fumos de corda, tradicionais, que os nossos caboclos pitam, de cócoras à beira da estrada, para ver a vida passar.

Precisei atravessar o oceano, só para ver a cena e comprovar. Mesmo com o cigarrinho fuleiro e o celular básico, a danada não perde a pose e a elegância. Até para ver a vida passar. Isto é Paris…

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