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Dona Culpa

Caetano saiu o palco sobre as vaias…

Foi no longínquo ano de 1979, durante a finalíssima do Festival de Música Popular, organizado na extinta TV Tupi. O baiano defendeu uma composição surreal do surreal Benjor. Chamava-se “Dona Culpa Ficou Solteira”. A platéia não entendeu, e não gostou. Não considerou sequer o suingue natural das músicas benjornianas e caiu na vaia.

Pelo retrospecto de Caetano em festivais, todos ali ficaram temerosos. Mas, Caetano levou aquele anticlímax numa boa. Saiu sorrindo e, nos bastidores, foi abordado por uma repórter da própria emissora. Ela imaginou jogar lenha na fogueira, mas foi infeliz. No afã da pergunta, trocou o “sob” pelo “sobre”.

— Caetano, o que você achou de sair sobre vaias do palco?

— Achei exatamente isso, minha filha. Saí SOBRE as vaias. Porque sou maior do que tudo isso…

Fim da entrevista.

II.

Só ontem, ao me desfazer do bloco de anotações em que registrei minhas impressões da viagem de 2003, percebi que não dei fim às histórias que narrei aqui nesses últimos quatro ou cinco dias. Me culpei porque, afinal, cuido do meu leitorado. Será que há alguma expectativa dos meus afáveis cinco ou seis leitores pelos últimos quatro dias de andanças? Ou o que aqui registrei já está de bom tamanho?

Outra cisma é o tamanho do apagão que dei na reta de chegada. Devia estar esbagaçado e/ou achando tudo sem graça?

Respondo: É válida a primeira observação – viajar é ótimo; mas, em determinado momento, você se sente em cacos. A segunda, nem tanto. Lembro que, em determinado dia, andei ao gosto do vento em Brugges e, em outra ocasião, me perdi num parque lindíssimo em Amsterdã, ao lado do Museu de Van Gogh.

Que me perdoem os politicamente corretos, mas troquei a visita às obras do pintor pelo caminhar a esmo naquele parque. Não me peçam explicações. Nem me vaiem ou culpem porque não sou Caetano e não saberei flanar sobre a bronca de vocês.

III.

Vou lhes confessar. Tem hora que cansa cumprir o sacrossanto papel de turista. Preferi fazer parte daquela paisagem. Olhar as crianças que brincavam apesar do frio pouco acima de 3 graus. Resisitir ao semblante de um céu acinzentado e triste. Andar SOBRE os caminhos abertos na neve com a sincera impressão de não ter hoje, nem amanhã…

Um chocolate quente no quiosque completou a plenitude daquela manhã de sábado. Que se perdeu no tempo, mas não na minha lembrança.

IV.

Por dever de ofício, alguns esclarecimentos:

* Muito das minhas andanças nesses dias de Holanda e Bélgica resultaram num texto maneiro que escrevi tempos atrás: A Filha Mais Nova do Seo Libório, que está neste blog, datada de 31 de outubro de 2006. Para ser mais sincero, a idéia nasceu em uma cantina em Amsterdã ao observar uma moça – provavelmente estrangeira – a atender as mesas e cuidar da cozinha ao mesmo tempo. Fiquei impressionado com sua destreza.

* No Festival Internacional da Canção de 68, que a Globo promoveu de 1967 a 1971, Caetano Veloso defendeu, ao lado dos Mutantes, a música É Proibido Proibir. Classificou-se na eliminatória realizada no Teatro da PUC, em São Paulo – e foi se apresentar para um Maracanãzinho lotado. As vaias foram unânimes e implacáveis. Os Mutantes, em protesto, tocaram de costa para a platéia. E Caetano fez um discurso inflamado. A certa altura, disse: "É esta a juventude que deseja tomar o poder neste país. Se vocês entenderem de política o que vocês entendem de estética, estamos f…" E abandonou o palco…

* O Festival da Tupi foi mais uma das tantas tentativas para ressuscitar a moda dos festivais que a TV Record consagrou nos anos 60. Outra vã tentativa…

* Quem ganhou foi a música “Quem Me Levará Sou Eu”, de Dominguinhos e Manduka, defendida pelo cearense Raimundo Fagner.

* Soube do resultado assim que os jurados saíram da sala do julgamento. Minutos depois, encontro Fagner sozinho num canto da coxia. Perguntei o que achou da vitória ou coisa do gênero. Ele ainda não sabia do resultado. Mostrou-se surpreso, chegou a duvidar. Mas não esboçou qualquer comemoração: “Gosto mesmo é de cantar – e só."

V.

Ontem encontrei um bom amigo, depois de tanto tempo.

Ele me disse:

— Você escreveu a Despedida de Solteiro, lembra?

Claro, aquiesci.

— Então, agora escreva a Despedida de Casado…

Como assim, perguntei?

E mostrou a mão esquerda. Sem aliança…

É da vida, e dos amores…

Gostaria que não fosse assim.

VI.

Ah! o refrão da música de Benjor era simples, mas dizia tudo.

"Dona Culpa ficou solteira
Porque ninguém quis casar com ela."

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