A menina entrou chorando. Fim do romance. A irmã até ficou feliz com a decisão. Mas, foi a mãe quem entendeu tim-por-tim aquele momento.
CENA 5 – Coração de mãe…
Era a mãe – e sabia o que estava dizendo.
Cuidou-se a vida toda para dar às meninas uma educação compatível com os dias que estavam vivendo. Algumas amigas diziam que era moderna demais, compreensiva demais, generosa demais. Sentia um tom de crítica na frase. Mas assim é que era preciso ser – e ponto.
Argumentava sempre que às vésperas do Terceiro Milênio não podia ser diferente. Hipocrisia nunca.
As meninas cresceram nesse clima de liberdade, jogo aberto mesmo e, apesar de algumas decepções, não se arrependia um milímetro do que havia feito.
Hoje, eram moças bonitas, inteligentes, formadas — a mais velha fazia pós graduação — e logo, logo se encaminhariam na vida, tinha certeza.
Eram namoradeiras. Mas, normal. É da idade. Mais cedo ou mais tarde, se acertariam também no perigoso jogo do amor.
Por isso, sabia o que a filha mais nova estava sentido.
Até ela acreditou que, desta vez, era para valer. No início, começou falando dele com admiração. Não havia nada entre eles ainda. Mas, vira-e-mexe, lembrava uma das suas piadas, citava uma fala, comentava um show que havia assistido e até sua discreta deselegância. Ria e viajava só com o olhar.
Percebeu tudo.
Era uma questão de tempo. Modéstia à parte, tinha uma filha encantadora. Ele não resistiria…
Dito e feito. Alguns meses depois, veio com a notícia num final de semana. Havia tomada a iniciativa e foi maravilhoso. Tinha certeza: estava amando. Comemoraram o feito como grandes amigas e brindaram com vinho tinto, embora fizesse um lindo sábado de sol. Estava que era só felicidade e logo contou a novidade para a irmã. Foi uma manhã inesquecível.
Pôxa, eles se amavam.
Todos viam e comentavam: feitos um para o outro. Ele sabia como cortejá-la, como fazê-la feliz. Graças ao bom Deus, estavam todos bem — inclusive ela, a mãe.
A roda do tempo revela-se, por vezes, implacável. E gira que gira. Reduz nossas ilusões a pó.
Uma manhã à toa percebeu que não brigavam. Eram atenciosos um para com o outro. Mas, já não carregavam o intenso brilho da paixão.
Conversavam. Ela escutou por escutar. A menina comentava que sentia falta de um trabalho mais realizador, uma carreira própria da qual podia se orgulhar. Ele, por sua vez, não ficava à vontade nesse assunto. Fazia observações e restrições. Dizia saber o que era bom ou ruim para ela. E, a bem da verdade, estava financeiramente equilibrado. Esse negócio de trabalhar era bobagem…
Conhecia sua menina. Tinha certeza de que ela não estava gostando dessa tutela. No entanto, preferiu não fazer qualquer comentário.
Poderia ser mal-interpretada…
Colocava-se na pele da menina. Lembrou que, na idade dela, tinha tantos sonhos. Queria ser alguém. Não se via como uma mera dona-de-casa. Pintava, bordava, declamava, fazia poesias. Chegou até a ensaiar alguns passos de sapateado. Era muito ativa.
Era…
Pois, casou. Aí, vieram as meninas e tudo mais virou um grande hobby. Uma brincadeira, até certo ponto triste.
Por isso, quando a filha lhe disse que o romance estava por um fio, não se surpreendeu. Teve de esconder uma inoportuna satisfação. Mas, entendeu que era preciso coragem.
Enfim, se as coisas já não andavam bem, para que insistir?
Ela e a menina pareciam-se tanto. Talvez fosse essa mesma a decisão certa. Não que ela própria, hoje uma respeitável senhora de cinqüenta e tantos anos, se arrependesse de algo. Era uma mulher realizada. Mas, se tivesse lutado por aqueles ideais, o mundo certamente teria conhecido uma de suas mais sensíveis artistas plásticas. Sua especialidade: pintura em porcelana.
Bem, era hora de pensar na filha. Assim que a menina entrasse, iria ao seu encontro para, num imenso abraço, mostrar que ela nunca estará sozinha…
E, como todos dizem, a vida continua…