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Mas…

Meu saudoso pai era um sujeito simplório. Filho de calabreses, dizia o que lhe passava pela cabeça sem maiores cuidados. Até porque é mais ou menos recente a obrigação de ser politicamente correto.

Tem uma hora que cansa. Ô se cansa.

Hoje estou assim. Por isso, recorro aos causos do Aldão para não cair num tom ainda mais pessimista.

Por exemplo. O pai, sempre que voltava de um banco, contava a seguinte história. Houve um tempo – lá nos primórdios – que o cidadão trocava cheques por chapinhas numeradas num balcãozinho fubá de qualquer agência. As instituições financeiras tinham instalações simples, humildes até; onde tudo acontecia em breves minutos. Não demorava, o caixa chamava o tal número, era apresentar a chapinha e efetuar a operação.

Era assim rudimentar, e eficiente.

O que o pai não entendia era todo o aparato arquitetônico dos bancos de hoje, os zilhões de computadores, a ostensiva publicidade, o oba-oba em troca de filas enormes, atendimento arrastado, os equívocos sempre a dano do cliente.

O Aldão não se dava conta das tarifas. Ah! as tarifas…

Mas, fazia questão de ressaltar a incoerência.

— Ué, toda essa modernidade não deveria ser em prol da freguesia? Então? E o que fazem todos aqueles papéis colados nos computadores dos caixas para lembrar isso e aquilo que, no fundo, no fundo, já deveriam ter feito ou vão esquecer de fazer? Tem coisa errada aí e a gente é quem paga, não é filho?

Tem sim, pai. Anda muita coisa errada por aqui – e não é só com os bancos, não.

II.

O Aldão não era lá de escutar música popular brasileira. Preferia velhas canções italianas e bolerões no estilo “Besame Mucho”. No entanto, acho que dois compositores brazucas, João Bosco e Aldir Blanc, traduziram em versos, gravados por Elis, o que ele queria dizer: “O Brazil não conhece o Brasil”.

Uma verdade cada vez mais absoluta. Tão real que salta aos olhos nesses dias esquizóides. Contrastem a hiper-valorização dos Jogos Pan-americano com o caos aéreo que o País vive, ressaltado tragicamente pelo acidente com o avião da TAM.

Comparem o que foi gasto com os ‘elefantes brancos’ criados para receber as competições esportivas e analisem o sucateamento de equipamentos e dos aeroportos brasileiros – que, acrescente-se, não vem de hoje não e, de longe, não é o maior dos problemas sociais que enfrentamos.

Faz algum sentido nos alardearmos como potência esportiva? Faz sentido falar em Olimpíadas ou em ser a sede de Copa do Mundo de 2014?

É uma brincadeira de péssimo gosto. Mas, é uma brincadeira que vai ao encontro de interesses específicos de uma casta de privilegiados senhores do Poder. Imaginem o quanto de ‘bons negócios’ podem advir de tais eventos.

O pai não resistiria – e, como bom oriundi que estranha o que não entende, repetiria:

— Tem coisa errada aí e a gente é quem paga, não é filho?

III.

Vocês devem me achar ranzinza. E lhes dou razão. Capaz até que eu perca meus cinco ou seis fiéis leitores. Enfim. Me sinto desconfortável nos últimos dias – uma sensação que parece sem volta, chegou para ficar. É impressão minha ou estão querendo faturar politicamente em cima dos 200 mortos? Que jogo de empurra é este na apuração do caso. Desconfio que todos entabulam discursos em causa própria em hora inoportuna. Não há pudores. A única dor que percebo verdadeira é a dos familiares das vítimas do trágico acidente.

Uma dor que, aliás, a mídia tem explorado descarada e insidiosamente. O que, como jornalista, considero vergonhoso, deprimente. Uma coisa é informar, outra é fazer sensacionalismo – sem contar os demagogos de plantão – em hora inadequada.

É um entre os zilhões de casos que vi – e lamento. É minha vez de dizer:

— Tá tudo errado por aqui, pai, e todos só vêem a culpa do outro…

IV.

Há um descompasso entre esse o Brasil medieval e desvalido e o Brazil que somos nós a quebrar recordes e exigir o lugar garantido no vôo para Miami. Não nos damos conta da miséria que nos ronda – e ameaça. Queremos o salto de qualidade da contemporaneidade sem preencher o vazio das condições mínimas de sobrevivência para milhões e milhões de brasileiros.

Vislumbramos a Dazlu e fechamos os olhos para o Jardim Ângela que existe em cada um de nós.

Eis o extraordinário abismo entre os dois brasis. Um abismo que só tende a ser mais profundo graças a hipocrisia nossa de todos os dias – e em todos os níveis. Não queremos conhecer o verdadeiro Brasil.

Vou parar por aqui…

V.

… Não sei o que o pai diria numa hora dessas. Talvez optasse pelo silêncio, como farei a partir de agora. Sei bem. Não era isso que vocês gostariam de ler. Também não era o que eu gostaria de escrever. Mas…

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