Encontro o amigo Marceleza em plena manhã chuvosa de Sampa a ameaçar uns ‘piques no lugar’ em meio à pista de Cooper do Parque da Independência. Há alguns anos, não nos vemos. Desde o célebre episódio que virou crônica (Despedida de Solteiro), Marceleza voltou para o Rio, “de onde nunca deveria ter saído, meu querido”.
Então, o que faz esse tricolino das Laranjeiras em Terras de Piratininga?
Só se o Fluminense fosse jogar em São Paulo, haveria um bom motivo. Mas, não. E depois, tão cedo? E ainda trajando esse moleton verde-amarelo. Essa história ele vai ter que me contar — e é pra já.
— Marceleza, é você?
— Claro, cumpadi, quem mais poderia ser? Olha o estilo do agasalho da Copa de 70. Quem teria essa pegada?
— Pensei que fosse um atleta do Pan-americano que havia deserdado por medo de avião.
— Sem essa, meu querido. No soy cubano. Mas, vai por aí o motivo da minha revolta e do meu auto-exílio.
— O medo do avião?
— Arrego, cara. Que mané avião. Vim de táxi. Quer dizer tomei o carro emprestado de um chegado meu, taxista, que achou de assistir a todos os jogos do Pan e dei área.
— Ué, qual o motivo, então?
— Os próprios, brother, os próprios Jogos Pan-americanos. Ninguém merece. Que histeria virou aquele paraíso. Aonde você vai, dá de cara com uma trempa de figuras com pisada de atleta e pose de medalhista. Tá dominado, mano. Tudo dominado pela panmania. Não ‘guento’ não, chegado. Na primeira chance, dei um bate-final nos compromissos e vazei, que não sou "joão".
— Você é mesmo do contra?
— Sou não, acredite. Sou sussa. Só não suporto mais tanto perrengue por nada. Até jogo do meu Flu cortaram a transmissão da TV para mostrar um jogo de peteca nervosa(ele quer dizer, badmington). Desisti. Peguei a Dona Encrenca (mulher) e a princesa Sofia (filha) e vim rever uns chegados. Inclusive ia passar hoje mesmo na sua casa.
— Ta bom. Faz de conta que eu acredito. Marceleza, você não está exagerando?
— Quer fazer uma prova? Então, tome a chave do apê e fique lá esses dias. Se segura, malandro que é malandro não bobeia. Experimenta? Você liga a TV, dá-lhe Pan. Medalha, medalha, medalha. Põe os pés na rua, toma de encontrar aquela gentarada estranha que, para falar, sequer arrasta um ‘errezinho’. É um tal de buenos dias pra cá, buenas noches pra lá. Os que não são gringos estão com aquela cara de ‘pra-frente-Brasil-salve-a-seleção’. Pior, os exagerados, com aquele jeitão de “filma-eu-galvão”, "mamãe-estou-na-globo". Não dá, né?
— Mas, tem a praia, o mar, o sol. O Cristo que ganhou entre as sete maravilhas…
— As arenas, as filas enormes, aquelas torcidas histéricas, os preços lá em cima pra ‘pegar’ turistas. Sem falar no refrão: medalha, medalha, medalha. Acabou o sossego, meu querido. Estamos em julho; não em fevereiro. Que por sinal tem Carnaval, dura só três dias e é a cara do Rio. Imagine quinze dias de tuntunbaticumbum na sua cabeça, em frente a sua casa, no supermercado, diante do seu trabalho. Ninguém resistiria. Tem carioca que trabalha, cumpadi, sabia? Tem uns vagais. Mas há os que enfrentam um batente legal. Tudo o que é demais enjoa.
— É, acho que você me convenceu.
— Então vamos mudar de assunto.
— Tem razão.
— Quais as boas?
— As boas? Você viu aquela gracinha que ganhou medalha de ouro no salto com vara? Chama-se Fabiana Mure, acho. Linda. Ah! e as meninas do hóquei da Argentina? Gatíssimas. Sem falar em uma das meninas do futebol dos Estados Unidos, maior princesa… Marceleza! Marceleza! Aonde você vai cara… Pra que correr? Volta aqui… Eu não pensei que…
* Hehehehe. Pensei, sim. Leiam a crônica Despedida de Solteiro (leia em Parangolés, 25/02/07) para entender o porquê da minha vingança.