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Gê e Gi

Diziam-se feitos um para o outro.

Bastava vê-los juntos, Gê e Gi, para lhes dar razão.

Geraldo era amigo nosso. Giselle, apenas conhecida.

II.

Encontraram-se numa festa de congraçamento dos alunos de pós-graduação. Gi, toda soltinha numa blusa de seda, era só sorrisos e promessas. Gê cumpriu a jornada de sábado na redação e foi para tal balada só mesmo para se enturmar com os novos amigos do curso que resolveu fazer de última hora.

— Vou cuidar do meu futuro. A cada dia que passa, tem menos gente trabalhando nos jornais. Daqui a pouco sobra pra mim…

Gê era um sujeito sensato.

Meia-hora de conversa a sós, e pronto. Decidiram juntar suas linhas de pesquisa, sob a tutela de uma mesma orientação científico-filosófica.

III.

A partir daí, Gê se transformou em um novo homem. Sorriso no rosto, roupa nos trinques, celular sempre à mão. De meia em meia hora, era um tal de “mô” pra cá e “amore” pra lá. De fazer inveja a qualquer um.

Apaixonado, deixou de freqüentar o nosso boteco na Greenfeld com Bom Pastor, lá onde o Nasci mandava prender e mandava soltar. Onde, aliás, dizíamos — e nem sabíamos bem o porquê — o Sacomã torcia o rabo.

— Gê, vamos fazer uma ‘sardinhada’ no sábado…

— Me inclua fora dessa. Vou viajar com elazinha…

E não se falava mais no assunto.

Futebol, política, boteco, amigos. A resposta ia na mesma linha.

— Me inclua fora dessa. Vou ao cinema com elazinha…

Desistimos de vez quando, a um entrevistado, ouvimos Gê se anunciar como comunicólogo, que desenvolvia um projeto dentro da linha de pesquisa científica ‘xmaisyz’.

Repórter, nunca mais. Tudo por causa delazinha…

IV.

Não preciso dizer que demos uma escanteada no cara – e vice-versa.

Até que, algum tempo depois, em uma noite, eis quem chega na bodega: Gê em carne, osso e olhar assustado. Nasci saudou a volta, com algum entusiasmo e outro tanto de curiosidade.

— A que devemos a honra da visita de tão ilustre pesquisador?

— Estava passando e resolvi…

— Elazinha deixou?

Com o Nasci era bola ou bolim.

— Então…

— Então, a maionese desandou – é isso?

— Ô Nasci, a Gi me ama…

— Sei, sei… Isso se não aparecer nenhum Pimpão. Essa vida é tão competitiva.

V.

Gê fez que não ouviu e ficou por ali, mais do que imaginávamos.

Na semana seguinte, ele apareceu, sorriso amarelo, disposto a beber todas.

— Quem me acompanha? – foi logo dizendo.

Como de praxe, todos o acompanharam nas diversas rodadas que se sucederam. Em um dado momento, o ex-repórter agora pesquisador na área comunicacional deixou escapar:

— Mulheres, mulheres…

Implacável Nasci, não perdoou.

— Abre esse seu coração, meu filho, o que está acontecendo?

— A Gi está com umas conversas estranhas, estranhas. Falou em dar um tempo.

— E você?

— Disse que não, claro. Tanto tempo junto. A Gi me ama…

— Sei, sei… Isso se não aparecer nenhum Pimpão.

VI.

Às vezes, nós mesmos perdíamos o rebolado, com a franqueza do Nasci. Por isso tratamos de mudar rapidamente de assunto, além, óbvio, de chamar outra rodada…

Dias depois, em plena sexta-feira, dia internacional do crime, lá estava o Gê pronto a pedir arrego. O Nasci não estava. As coisas não iam nada bem. Por isso, decidiu esperar. Andava de um lado para o outro, impaciente e lívido.

Um dos nossos incomodado com o vai-e-vem resolveu fazer as vezes do Mestre.

— Que foi, cara? Brigou com a mulher?

— Como posso brigar com ela. A Gi me ama…

— Sei, sei… Isso se não aparecer nenhum Pimpão.

Era o Nasci que chegava, pronto a intervir.

— Que é isso, Nasci. Conversei com a amiga dela, a Paula…

— E?

— Ela me disse que não tem nenhum safado no pedaço, não. Que a Gi é muita nova. É natural que esteja em dúvida… Mas, ela…

— Ela lhe ama, sei, sei… Mas, posso fazer uma ressalva.

— Qual?

— Como você bem disse, meu caro, a amiga é dela – e não sua… Se houver algum Pimpão na parada, ela não vai entregar de bandeja…

VII.

Por um bom tempo, Gê não deu às caras no bar. Na redação, entrava e saía. Fazia o que lhe passavam de pauta – e só. Notamos que, por vezes, esquecia o celular e nunca mais falou da pós e do tal projeto midiático-comunicacional.

Alguém sugeriu que o Nasci pegou pesado. Era mesmo natural que, depois da fase do só vou se você for, viesse mesmo um período de acomodação da paixão. Podiam estar vivendo essa fase. Depois, a Gi amava o nosso amigo.

Ou não?

VIII.

Chegamos a comentar com o Nasci o que pensávamos.

Ele deu uma baforada a mais no cachimbo, espalhando nuvens de fumaça achocolatada por todo o ambiente.

— Já era, meus chegados. O nosso amigo dançou e não quer ver…

Com o Nasci não se discutia. Mas, deixamos claro que não concordávamos com aquelas insinuações.

Outra baforada e um brevíssimo sorriso – eis a resposta que nos deu.

IX.

Tarde de domingo. Estávamos todos reunidos no boteco, vendo o futebol na TV e jogando conversa fora. Era o nosso natural aquecimento para a o tédio das noites que antecedem a segunda. Clima de arquibancada, portanto.

De repente, um carro em zigue-zague vem pela Bom Pastor e pára, com a ajuda do Todo Poderoso, em frente ao bar. Não sem antes subir na calçada e assustar um grupo de evangélicos que se encaminhava, grossas Bíblias nas mãos, para um culto numa igreja ali perto, num galpão que antes servia à uma fábrica de móveis.

Adivinhem quem salta lá de dentro. Do banco do motorista.

Preciso dizer o nome?

Gê trançava as pernas para caminhar. Dizia coisas inteligíveis que, via de regra, terminavam assim:

— Eu mato aquela desgraçada…

X.

Fomos acudir o amigo.

Menos o Nasci, óbvio. Que nos alertou do motivo daquela bagaça toda:

— Dez por um. Quem aposta? O Pimpão apareceu…

Dito e feito.

Pior: era bem chinfrinzinho…

O orientador do casal. Um pós-doutor em qualquer coisa.

Mas, com um conversê…

Ela não resistiu…

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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