por Joel Silveira
Foi num verão escaldante, de sol absoluto – há quanto tempo, meu Deus! Ela jamais iria esquecer aquele verão. Antes de tudo porque ela não voltou no verão seguinte – não voltaria nunca mais.
Era do interior, vinha à cidade grande pela primeira vez, e queria ver o mar, que só conhecia de cinema, de revistas, e de cartões postais. Levou-a ao trecho mais distante da praia, onde as ondas rebentavam de encontro às pedras. Ela olhou na distância líquida, disse:
– Veja só. O mar é rouco. E não é azul.
Olhou mais, disse depois:
– Não é azul, é verde.
Perguntou se podiam ficar ali por mais algum tempo.
– Claro. O tempo que quiser.
Sentaram na areia, a água fingia vir até eles, indecisa e preguiçosa, e acabava recuando (era maré vazante), deixando na areia uma esgarçada fímbria de espuma amarelada. O sol infiltrava-se através da blusa, revelando o sutiã que guardava os seios fortes e jovens. Contou que a mãe lhe dizia ser o mar – que conhecera por alguns momentos, na infância – plano e azul. E mudo. Mudo com um lago azul.
– Não é. Agora eu seu. É verde e rouco.
Estava comovida – ou decepcionada? Ia chorar, disse.
– Por quê?
– Bobagem. Sou assim mesmo. Choro à toa. Principalmente quando vejo uma coisa que nunca vi. Me dá logo vontade de chorar.
O sol riscou dois pequenos rios de prata por onde as lágrimas desceram, e era infantil o seu gesto de limpar os olhos úmidos com as costas da mão. Tinha os cabelos negros, compridos, soltos sobre os ombros, e as mãos magras (de veias azuis que se revelaram sob transparência da pele) neles se perdiam quando ela procurava refazer o penteado sumário que o vento havia desfeito.
Quando o sol foi morrendo e a água verde se fez cinza, viu que os olhos dela se enchiam de uma tristeza mansa, quase fluida. Talvez fosse chorar novamente, porque agora o mar não estava mais verde, mas cinza e feio.
Saíram caminhando pela praia; ela tirou as sandálias, e, ao pisar na areia molhada, começou a rir e perguntou se podia correr, correr, até cansar.
– Corra. A praia é toda sua.
De longe, viu quando ela se estirou na areia, os braços estendidos ao longo do corpo. E quando deitou-se ao lado sentiu o corpo dela tremer e escapar de sua boca entreaberta como que um marulhar, como se ela estivesse tentando imitar o embalo das ondas. O suor havia posto pequenas escamas prateadas na testa larga, e além dos seios ofegantes ele divisava, no fim da praia, a massa escura das rochas; e lá na frente, no meio do mar, a torre branca do farol.
Ela voltou-se mais uma vez para o mar, mas lá adiante era agora apenas a escuridão, que se ia chocar de encontro ao sangue velho do sol agonizante. Perguntou se o mar era sempre assim, verde ou cinza; ele respondeu que podia ser também azul, quase sempre era azul; e também amarelo, e vermelho, podia ser de todas as cores. Ela disse que só gostaria de vê-lo azul, calado e azul, como um lago azul – o mar de sua mãe.
– Será que amanhã ele está azul?
– É possível. Melhor, quase certo. Estamos no verão.
– E eu posso voltar para ver ele assim, todo azul?
– Por que não?
– Mas tem que ser amanhã, porque depois de amanhã bem cedo eu volto para a casa.
Ele prometeu que o amanhã o mar estaria azul e que ela o veria assim, todo azul, e calado, apenas ofegante, “pois, você sabe, o mar também respira”.
Ela levantou-se, limpou a areia da saia, segurou a sua mão.
– Vamos? Amanhã a gente volta.
Ele voltaria mil vezes. Ela, nunca mais.
* (Transcrito do livro “Não foi o que você pediu?”, Editora José Olympio em 1991)