O apelido do menino era Pitchnim. Virou apenas Tchnim, com o passar dos anos. Vem do italiano, pisccino, que se diz pitchino e quer dizer pequeno. Era o caçula da família, como se dizia à época. Por isso, não poucas vezes, ouviu que era mimado. Pelas duas irmãs mais velhas, pela mãe, a avó nem tanto. O pai, óbvio que sim – pois, ele, o garoto sardento, era o único herdeiro do “célebre” sobrenome autenticamente calabrês. Quanto orgulho. O avô Carlito gostava de ficar com Tchnin à janela a ver passar os bondes e as moças – as belas tecelãs das fábricas de pano que havia pelos arredores da avenida Lavapés. "Aí, Maria. Maria de Jundiaí. Com todos você vai. Só comigo não quer ir", cantava o avô e o menino ria, sob os olhares complascentes das "marias" que passavam.
Havia ainda os tios e as tias. Não saberia hoje lembrar o nome de cor de todos eles – mas, três deles o encatam e encantavam-se com ele: o Toninho que era sãopaulino (que horror!), mas vivia a cantar as músicas de Nélson Gonçalves (que bonito!), o Ninin (que tinha um Chevrolet bonito toda vida) e o Neno, um tio solteirão e triste. Diziam que ele queria ser padre. Vai saber? Tchnim nunca entendeu aquela tristeza – tanta, tanta que passariam dezenas de anos, o século viraria, o menino se transformaria em homem feito, mas querem saber? Ele nunca esqueceu a frase que ouviu numa tarde em que caminhava ao lado do tio: “Sabe, Tchnim, o tempo passa muito depressa. Aproveite para ser feliz o tempo que couber ser feliz. Quando você percebe, lá se foram os melhores anos da sua vida”.
O menino – imagino – não deu lá grande importância às palavras do homem elegante, de bigode aparado, cabelos retintos e ternos bem cortados, comprados em uma das lojas de A Exposição/Clipper. Mas, creio, entendeu tudo o que Neno quis dizer quando, inexplicavelmente, sentiu uma vontade de chorar. Coisa estranha – e olhem que Tchnim era um hominho, pois sequer usava calças curtas. Homem não chora. Não foi assim que lhe ensinaram. Então? Que fraqueza era aquela? De onde brotou essa estúpida sensação?
É certo que o tio não tinha lá uma turma de amigos como o pai. Também não sabia cantar as canções do rádio, como o tio Toninho. Mas, caramba! Ele gostava de ir ao cinema – e ia duas ou três vezes por semana, sempre sozinho. Aos domingos pela manhã, assistia aos jogos de futebol na várzea do Glicério – pô, lá havia cada time bom: o Mocidade, o Huracan, o Estrela do IAPI, o Estudantes, o Internacional, o Bangu. Não dava para entender. Talvez fosse o carrão do tio Ninin. Mas, pensem com o menino: quase ninguém tinha automóvel àquela época. Depois, não dava para comparar a coleção de ternos do Neno com a do outro tio. A do Neno era muito mais garbosa. O garoto gostava de fuçar no guarda-roupa do tio. Olhava maravilhado os ternos enfileirados, em cabides de madeira, um atrás do outro. Todos em cores sóbrias. “Comprei um terno de olho-de-perdiz”, o Neno lhe falou um dia. O garoto franziu a testa a imaginar o que ele quis dizer. O tio, então, desembrulhou o imenso pacote e mostrou aquele paletó acinzentado, repleto de pequenos pontinhos brancos e pretos e pretos e brancos.
— Puxa, tio, que bonito.
Acho que foi a única vez que viu o tio sorrir, de dar gosto.
— O senhor podia me dar um igualzinho de presente, né?
Era mesmo um menino mimado. Mas, foi a primeira – e acho que única – vez que Tchnim viu um homem sorrir e chorar ao mesmo tempo. Aquele tio se fez mesmo inesquecível e, por esses dias, completaria 77 anos.