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A mulher do amigo Moraes *

Não sei se a ala feminina dos leitores vai gostar de saber. Provavelmente não. Mas, sou obrigado a contar. Ainda estranho – e muito – a presença maciça das mulheres nos estádios de futebol. Acho que não combina, sei lá.

Para mim, é sinônimo de confusão.

Vou aos estádios desde os nove anos – e me acostumei à idéia antiga de que “futebol é para homem”. Sei que este não é um post politicamente correto, mas o que fazer? Tentei que tentei mudar, mas não consigo.

Os tempos mudaram, me dizem amigos e inimigos.

Até concordo.

Eu é que não mudei…

Mas, tenho lá meus motivos.

Ou melhor, um grande trauma. Que atendia pelo nome de… Bem, não lembro o nome. Mas, vamos tratá-la aqui de a Mulher do Meu Amigo Moraes, assim mesmo em maiúsculas.

Pois, é.

Foi na disputa da Copa Libertadores de 1979 que a conheci – e de uma maneira quase trágica. Àquele tempo, eu, o Moraes, o Bode, o Coelho, o Arrelia e mais alguns incautos amigos palmeirenses não perdíamos um só jogo do time de Parque Antártica. Era acima de tudo uma diversão. Ambiente adequado para exorcizarmos todos os nossos demônios com palavrões, xingamentos, impropérios, palpites, previsões e outros descalabros só possíveis num campo de futebol. Depois, era certo parávamos numa Casa de Batidas que havia na rua Bom Pastor e o seo Martins, o proprietário, tinha que nos agüentar a discutir o indiscutível.

Verdade verdadeira.

Entre umas e outras, harmonizávamos nossos pontos de vistas. O Palestra não ia bem das pernas. Mas, saíamos de lá breacos e felizes.

Mas, voltemos à Libertadores…

Palmeiras e Guarani se enfrentariam na manhã de domingo, no estádio do Morumbi. Programa mais do que combinado. Até porque havia dois motivos importantíssimos. A saber: o meia Pedro Rocha estrearia no Palmeiras e sonhávamos devolver aos bugrinos a presepeda que nos aprontaram na final do Brasileirão de 78, quando nos tomaram a taça com a ajuda desse cascateiro Arnaldo César Coelho. Este mesmo que até hoje engana nos comentários de arbitragem (sic!) da Globo. O ‘engodo’ de árbitro inventou um pênalti que só ele viu de Leão em Careca. Aliás, desde aqueles tempos que o homem gosta de aparecer…

Só que, para o cotejo daquele domingo às 11, surgiu outro pormenor. Que estranhamos, de primeira. O amigo Moraes estava de namorada nova – até então, primeira e única. Não sabíamos, mas passamos a saber naquele dia, a moça era mandona pacas.

O Moraes só iria ao futebol se ela fosse.

Não a conhecíamos. Mas, fomos unânimes no veto.

— Chiclet, amigo (um dos 58 apelidos do Moraes era esse), estádio não é lugar para mulher. Ainda mais para alguém com quem o distinto está tão cheio de boas intenções. Fala que às duas da tarde você vai buscá-la para um cineminha básico. E pronto.

O amigo Moraes (também conhecido como Cabeção) riu sem graça – e sem vontade de nos ouvir. Alguém insistiu.

— Às duas, não, compadre. Às três. Porque ainda vamos parar no Martins para derrubar as de sempre e mais algumas.

Não houve resposta.

Quer dizer, houve.

Mas, na manhã de domingo, no lugar onde sempre nos encontrávamos para dividir amigos e viaturas. Lá, estavam o amigo Moraes (vulgo Leão Marinho) e a beldade. Ele (LM, para os íntimos), com a expressão apatetada de quem não ouviu nossos sábios conselhos. Ela, “discretamente” trajada em verde e branco.

Deus é justo, amigos leitores.

Mas, a calça branca da mulher do Moraes, não ficava atrás…

Farejei problemas.

Mas, não dei palpites e sequer imaginei, naquele instante, que seria comigo a encrenca toda. Se Moraes (o famoso Caroço) permanecia calado, a moça deu de se mostrar uma torcedora das mais entusiasmada.

— O Leão é um gato.

— O Rosemiro é lindo, é o namorado da Rachel Welch

— O Pedro Rocha vai acabar com o jogo.

— O Beto Fuscão é melhor que o Luis Pereira.

— O Guarani é um timinho.

— Timinho, timinho, timinho…

Percebam o que fomos obrigados a ouvir em plena manhã de domingo. Tudo por causa de um amigo Vacilão. Resolvi esclarecer alguns pontos.

01. O Leão não era um gato, menos ainda o goleiro do Palmeiras. Jogava um garoto de nome Gilmar.

02. O Rosemiro não namorava nenhuma atriz do cinema americano. Era uma das muitas brincadeiras do narrador Osmar Santos porque o paraense bom-de-bola era feio que só.

03. O Pedro Rocha era reserva – e estava em fim de carreira.

04. O Beto Fuscão, com todo o respeito à dedicação do moço, não podia ser comparado a Luiz Pereira. Fuscão era lento e atrapalhado.

05. E, por fim, quem entendia minimamente de futebol sabia que o Guarani era o último campeão brasileiro. Além do que, jogaria com Renato e Careca exatamente em cima do nosso amigo Beto Fuscão, uma espécie de “carteiro bêbado”, pois entregava tudo errado.

O Testa, digo o Moraes, não disse um “a”. Mas, deixou claro que elazinha não gostou de ser contrariada. As minhas observações, mesmo que acertadas, a deixaram visivelmente irritada. Dei de ombros para a observação do amigo. O amor é cego. E o moço estava entregue.

Não houve mais senão ou palavra até chegarmos ao estádio.

Assim que aportamos nos beirais do Morumba, óbvio, que os olhares famintos da galera vieram todos em nossa direção. Não era comum mulher ir ao estádio naquele tempo. Mais incomum ainda era ir vestida tão “discretamente”. Ficou pior quando nos acomodamos nas arquibancadas. A moça resolveu torcer tresloucadamente.

— Vai, vai, vai.

— Chuta, chuta, chuta.

— Agora, agora, agora…

Quem estava ao nosso redor não sabia o que fazer. A qual espetáculo deveria assistir. Ao das assustadoras furadas do Beto Fuscão. Ou à performance da mulher do amigo Moraes, o Leôncio?

Quando o Palmeiras fez um a zero, foi uma festa. Torcedores conhecidos e desconhecidos fizeram fila para abraçar a torcedora símbolo.

E o coral comeu solto.

— Gostosa. Gostosa. Gostosa.

Ela ria agradecida e, generosa, acenava. O Moraes (tido como Zé para os familiares) ria para não chorar. Conivente e sem graça. Mas, no fundo, estava adorando.

Nunca fui expert em gerenciamento de crises, mas constatei logo.Teríamos problemas. Por isso, tentei me manter à uma distância segura. Foi em vão. Ela me descobriu e começou a provocação.

— Fala agora! Fala agora! Fala que o Guarani é melhor. Fala! Fala!

A rapaziada já me olhou feio. Houve até um burburinho. Alguém falou que eu era espião da Fiel, mas achei melhor ignorar. Ainda bem que vivíamos outras eras. Hoje, tal cobrança seria suficiente para eu ser linchado pelos brutamontes das organizadas.

— Palmeeeeiraaasss!!

— Palmeeeeiraaasss!!

Ela já estava abraçada a dois estranhos a pular e fazer festa.

Abandonamos o barco. Ou melhor, abandonamos o Moraes Pebolim a própria sorte.

Fomos cada um para um lado assistir ao resto da partida longe da turbulência chamada Mulher do Amigo Moraes.

Não tardou e Beto Fuscão fez o que sabia. Entregou uma, duas, três. Careca não perdoou. No finzinho, sem a participação do nosso vigoroso carteiro, quer dizer zagueiro, o Guarani sacramentou a vitória. Implacáveis 4 a 1.

Ao longe dava para ouvir o berreiro que a moça aprontou. Chorava que chorava. E o Moraes ali, dengoso que só, a lhe acariciar os cabelos.

— É só uma partida de futebol, benzinho. Não chora…

Aliás, a partir deste dia, Dengoso entrou para a lista que fazíamos dos apelidos do Moraes.

No estacionamento do estádio, foi inevitável o reencontro. Prometi a mim e a todos que não abriria a boca.

Prometi em vão.

Assim que me viu, a danada se pôs a chorar e a gritar.

— Culpa sua. Culpa sua. Você que gorou nossa vitória. Perdemos por sua causa.

Não tive como conter o riso e o deboche.

— Culpa minha? Eu não entro em campo, ô cabecinha. A culpa foi do Beto Fuscão que está procurando o Careca até agora. Ah! e do Moraes (até esqueci de chamá-lo por algum apelido, de tão nervoso que estava). Que cismou de trazer uma sem-noção ao jogo…

Entendem agora porque mulher em estádio, para mim, é confusão?

Vejam o saldo da brincadeira.

01. Voltei de ônibus do estádio. Três. Do Morumbi ao Cambuci não é tão perto assim.

02. Não fomos ao Martins, por motivos claros. O Moraes “JoãoTeimoso” estaria lá com a digníssima nos esperando.

03. O Palmeiras tomou uma traulitada daquelas — e foi desclassificado.

04. E perdemos o amigo…

Quer dizer, perdemos até o dia em que o amigo perdeu a mulher para um integrante da Independente. Soube, tempos depois, que houve um racha na torcida uniformizada do São Paulo. Não apurei, mas sou capaz de apostar que foi por culpa da ex-mulher do meu amigo Moraes, o Rei dos Apelidos.

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