“Canta Brasil –
O Maior Show da Música Popular Brasileira
Que Se Tem Notícia”
(São Paulo, 07 de fevereiro de 1982) – Certamente, nem todas as quase 100 mil pessoas que, na noite deste domingo, compareceram ao Estádio do Morumbi confirmariam o slogan que durante a semana anunciou o espetáculo/desafio. Mas, pelo que se pôde observar, ninguém se decepcionou coma presença dos 17 intérpretes no funcional palco armado numa das extremidades do campo de futebol. Foram mais de quatro horas de show.
— Foi uma festa bonita, disse à saída um dos espectadores.
— A coisa mais importante que aconteceu na MPB nesses últimos anos. Um congraçamento. Uma manifestação de felicidade, enfatizou Elba Ramalho.
É bem verdade que houve, aqui e ali, queixas e reclamações. Mas, nada de realmente mais grave. O que mais preocupou foi o empurra-empurra que se estabeleceu no gramado logo que começou. o espetáculo. Muita gente acabou sentindo-se mal. Houve desmaios e pessoas prensadas junto à grade de segurança que separava a platéia do placo.
O plantão médico do Morumbi registrou cerca de 100 atendimentos – o caso mais grave aconteceu quando um homem caiu da arquibancada e foi internado com traumatismo craniano.
Outra reclamação muito grave: a distância de determinados setores – geral, arquibancadas e numeradas – não permitia distinguir o artista no palco e o som, às vezes, falhava.
— Paguei 400 cruzeiros para não ver nada e ouvir muito pouco, queixavam-se alguns ocupantes da geral para os repórteres.
Há que se reconhecer também que nem todos os artistas (cada um cantou três músicas) tiveram performances inspiradas. Paulinho da Viola, o primeiro a se apresentar, passou quase despercebido. Foi prejudicado pelo tumulto que se instalou nas primeiras filas. Fato idêntico aconteceu com Elba Ramalho e o assustado Ivan Lins que vieram a seguir. Já com Nara Leão, faltou um melhor entrosamento com os músicos que a acompanhavam. Moraes Moreira, apático, quem diria!, só se soltou quando atacou de “Vassourinha” e fez a multidão cair no frevo rasgado.
Com efeito, “Canta Brasil” teve momentos inesquecíveis, de beleza pura, como diria um dos grandes ausentes Caetano Veloso.
Os destaques:
· a presença e o canto afiado de Milton Nascimento que fez uma tocante homenagem a Elis Regina, alterando os versos da canção – “Qualquer dia amiga eu volto a lhe encontrar”;
· MPB4 cantando “A Lua” no preciso momento em que as nuvens se separaram para deixar à mostra, cheia e brilhante, a verdadeira Lua que assim permaneceu até o final do espetáculo;
· a empolgação de Pepeu Gomes e Baby Consuelo que contagiou todo o estádio;
· João Bosco que cantou “ O Bêbado e o Equilibrista”, tendo ao fundo um painel com o rosto de Elis e a platéia a gritar o nome da cantora;
· a emoção maior: a forte presença de Simone a cantar “Caminhando” de Geraldo Vandré, com a respeitosa participação do público.
Também apresentaram-se Toquinho (que fez uma seleção de seus sucessos com Vinícius), Djavan (aplaudidíssimo quando cantou “Meu Bem Querer”), Gonzaguinha (que convidou todos “a ir a luta por uma coisa pequenina, mas fundamental que é a nossa liberdade), Fagner (que veio com uma camisa do Cosmo de Nova York) e Clara Nunes (que encerrou o espetáculo).
Além desses, a maior atração da noite, Chico Buarque, ficou pouco mais que 10 minutos no palco. Com discrição, cantou “Meu Guri”, “O Que Será” e “Piruetas”, tema de “Os Saltimbancos Trapalhões”. Nessa canção, contou com a participação do humorista Renato Aragão e das Trapalhetes, um coro formado por suas filhas e sobrinhas.
Tentou-se algo apoteótico para o final. Todos os artistas voltaram ao palco. Ao som de “Festa do Interior” e, sob ininterrupta queima de fogos, improvisaram um carnaval. Até os pacatos Mílton Nascimento e Chico Buarque caíram na folia. Era visível a alegria dos artistas por estarem ali, juntos, diante de 100 mil pessoas. Todos vivendo uma grande festa. O desafio do Canta Brasil estava vencido.
E Fagner definiu:
— O maior espetáculo? Não sei. Mas, seguramente, um momento de graça para a música popular brasileira e para o País.