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Bloco de anotações – Na casa de Cervantes

Meus caros…

Juro estar tão surpreso quanto vocês por chegar à esta quinta parte do Bloco de Anotações. Na terça, quando me propus a transformar em histórias meus alinhavos de viagem, estimei não ir além de uma ou duas colunas.

Perdoem-me o linguajar das antigas.

O termo certo é posts. Colunas são do tempo em que só escrevíamos para os veículos impressos.

De qualquer forma, cá estamos com uma nova temática – a visita que fiz à casa de Cervantes em Valladolid – e ainda me restarão mais duas ou três passagens que, no entanto, pretendo transformar em textos só mais ‘prafrentemente’, no decorrer do ano, quando se fizer hora.

Explico o porquê.

Escrever diariamente traz um tanto de desafio e outro tanto de temores – creio mesmo que já falei disso em posts anteriores. Mas, só para arrematar, acrescento que há um jogo compulsivo e incontrolável nessa “arte de falar consigo mesmo e com os outros que é o escrever”. Às vezes, você precisa voar – e escreve, escreve, escreve. Em outras, não consegue sair do chão e não arremata uma linha sequer que faça sentido.

Muitas vezes, a criatura (o tema) se impõe ao criador (o autor) imperiosamente. Mesmo que ele tente fugir para outros mundos e assuntos não conseguirá ir muito além.

E querem saber?

Só vai voltar a ser feliz quando tirar esse espinho da garganta e ‘encarnar’ em texto os fantasmas que lhe assombram e – vejam o contra-senso – libertam.

Foi um pouco dessa realidade que me trouxe a visita aos cômodos em que Cervantes habitou em Valladolid, onde, dizem, deu retoques finais a obra magna da Literatura Universal: Dom Quixote.

A Espanha vivia tempos difíceis. O reinado de Felipe III dava sinais de decadência, assolado por um suceder de guerras vãs. O próprio Miguel de Cervantes Saavedra enfrentava lá seus percalços. Saíra de Sevilha para Valladolid para escapar a pendengas judiciais e financeiras. Na então capital do reino se viu diante de uma pesada acusação criminal. Próximo à sua moradia apareceu o cadáver de um homem que teria sido assassinado, segundo a polícia, por estar envolvido com a irmã ou uma das duas filhas de Cervantes.

Aflições e tanto a fustigar a tranqüilidade de qualquer um. Nada, porém, que o impedisse de viver o melhor dos mundos na modesta casa. Onde, aliás, se refugiava toda vez que sentava-se diante da ampla mesa de madeira maciça e transformava em livro os delírios do herói de La Mancha.

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