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Da Guia e Riquelme

Ainda a série Longe de Casa…

Se ontem vocês estranharam o meu lado João do Rio, imaginem, então, o quê vão dizer se lhes contar o que aconteceu comigo, tempos atrás, em pleno bairro histórico do Caminito em Buenos Aires?

Como vocês sabem, naquela região fica o estádio do Boca Juniors, a famosa La Bombonera. Para quem vai à Argentina e gosta de futebol, é obrigatória uma parada ali. Há visitas monitoradas que levam o turista às diversas dependências – vestiário, gramado, arquibancada e uma super loja com toda espécie de indumentária do Boca. Tem inclusive um museu super bonito a narrar as conquistas e glórias dos amigos portenhos.

Pois bem, lhes prometi contar – então, eu conto.

Fiz todo esse trajeto a discutir com o guia e outros funcionários do Boca.

Motivo?

O óbvio.

A velha questão: Quem é melhor Pelé ou Maradona.

Os hinchas do Boca ficavam fora de si quando lhes pedia o currículo de Maradona e, em troca, lhes oferecia o do Rei do Futebol. Conquistou o mundo aos 17 anos. Jogou até quase 40. Foi bicampeão mundial interclubes pelo Santos e tricampeão mundial pela seleção brasileira. Fez mais de mil gols em jogos oficiais.

— Cadê o currículo do Maradona?

Eu provocava e nem ouvia as respostas ensandecidas.

Ficaram ainda mais enfurecidos quando lhes disse que o melhor deles hoje, o meia Riquelme, é uma cópia de Ademir da Guia, que jogou no Palmeiras por quase 20 anos.

— Para vocês terem uma idéia o cara era chamado de o Divino.

Dá-lhe xingamentos e retaliações. E eu a retrucar:

— O pai dele veio ensinar futebol aqui na Argentina lá pelos anos 30 e 40.Chamava-se Domingos da Guia, tão divino quanto o filho. Ouviram falar?

Os inimigos quase perderam a paciência comigo. Resolvi, então, contemporizar. Afinal, estava em terras adversárias. Mas fui sincero e – percebi – os peguei pelo lado emocional.

Disse que o futebol é uma das poucas coisas que ainda me emocionam na vida. Ver jogar o atual camisa 10 do Boca e da seleção Argentina faz com que eu reencontre o garoto que fui. As passadas largas, elegantes. A frieza ao lidar com a bola. A espontaneidade com que dá o drible. A cabeça erguida a subjulgar os iguais em campo. São lampejos de Ademir da Guia que revivem em Riquelme na exata dimensão que o futebol hoje possui.

A bem da verdade, tanto Ademir como Riquelme – cada um a seu tempo – são talentos extraordinários que mereciam um reconhecimento internacional bem maior.

Mas, tanto um como outro – cada um a seu tempo – não foram inteiramente compreendidos. Praticaram (praticam) um futebol ‘politicamente incorreto’ aos padrões da época. Foram (são) magos da bola, como outros tantos injustiçados do futebol. O meia Alex, por exemplo. Esses nos encantam, mas são inteiramente avesso ao marketing e aos esquemões do mundo da bola.

Para fazer as pazes com los hermanos, comprei uma camisa da seleção Argentina para dar ao meu filho. Tem o número 10 e o nome de Riquelme grafado nas costas.

Tenho certeza que o garoto vai gostar. Como o pai, ele também ama o futebol.

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