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Alta patente

Aconteceu na Redação daquele importante jornal de bairro num tempo em que todos, que a conheceram, sentem saudades. Menos um certo capitão…

O senhor de cabelos grisalhos assumira, dia antes, o comando regional da Polícia Militar. Como era praxe nessas ocasiões, um dos primeiros atos oficiais da nova autoridade era fazer uma visita à Redação.

Eis que, no dia e hora aprazados pela assessoria da PM, o homem chaga com toda a pompa e circunstancia. Estava nos trinques. Farda impecável, passos firmes, barriga para dentro, peito para fora e o quepe em uma das mãos, junto ao peito. Um porte digno das mais altas patentes.

Foi recebido por mim – então, diretor de Redação – e por alguns representantes de entidades locais, os tais líderes comunitários.

II.

Feitas as apresentações formais – diria até que em um tom solene – chamei uma de nossas repórteres para entrevistá-lo sobre os novos projetos. A questão da segurança sempre está na ordem do dia.

Encaminhei a todos para um espaço no outro extremo da Redação, especialmente arranjado para essas ilustres visitas.

Aliás, vale dizer, a Redação ocupava o primeiro andar de um dos casarões de uma movimentada avenida. Não havia paredes, nem divisões. Trabalhávamos em mesas justapostas que permitia certa integração entre os repórteres. Por isso, mesmo sob a sinfonia das máquinas de escrever, pudemos ouvir a conversa – ou, parte dela.

O comandante era um cricri. A cada pergunta que ele respondia, devolvia à repórter outras perguntas:

— Você anotou tudo o que eu lhe disse? Anotou direitinho? Olha lá, hein…

III.

Víamos a jornalista sorrir sem graça e, tudo bem, seguir o bate-papo como se nada tivesse ouvido.

— Olha lá, hein… Conheço como funciona a imprensa.

Que belo comandante foram nos arranjar!

Óbvio que a moça não demorou em dar por encerrada a entrevista.

Comemoramos silenciosamente. Já estava dando nos nervos o jeito sabichão do homem.

— Olha lá, hein… Quer mandar o texto para eu ler antes de publicar?

IV.

Ninguém respondeu a última das suas inconvenientes questões. Então, como se nada houvesse, o militar se despediu de todos e foi embora escada abaixo…

Inevitável a saraivada de impropérios e imitações que a turba fez assim que o militar saiu. Foi incontrolável. Até os representantes entraram na bagunça. A repórter era a mais alucinada. Paramos de trabalhar para fazer coro aos seus reclamos.

Estávamos no auge da fuzarca a debochar e rir e soltar toda nossa ira e repúdio, quando ouvimos uma voz estranha, mas não tão estranha assim:

— Hum, hum…Com licença. Esqueci meu quepe.

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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