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Cogita-se

Nos meus áureos e bons tempos de repórter, este era um tempo inteiramente dedicado à cobertura das eleições municipais. Para prefeito e vereador.

Não sei se o caro leitor sabe – porque são detalhes que fazem parte do cotidiano dos jornalistas –, mas o pleito tem características próprias. È uma luta mais renhida, mais corpo a corpo em que as disputas são mais viscerais.

Para vereador, o inesquecível Nasci dizia que “a coisa toda se aproximava mais da briga de vizinhos”. E não era sem razão, não. Houve um ano que só nos dois quilômetros de extensão da rua Bom Pastor, havia seis candidatos, todos a se entenderem e anunciarem como legítimos representantes da população do Ipiranga. Dois dele, inclusive, eram parentes – cunhados e sócios em uma empresa de confecção.

Pressenti a discórdia quando li o anúncio da candidatura de um deles quando o outro já se lançara candidato. Estava preparando os textos – antes havia essa função nas redações, ora exercida pelo editor, ora exercida pelo coppy-desk, ora por um revisor que conhecia profundamente a língua portuguesa e o manual do jornal. Ao bater os olhos na nota do incauto colunista, arrepiei: vem por aí, disse pra mim mesmo.

Liguei para o dono da informação.

— Cara, é verdadeira essa notícia?

— É de fonte segura, ele me garantiu.

Fiquei ressabiado. Poderia ser uma armadilha.

— Quem lhe passou a informação – insisti.

— O próprio.

— Ele sabe das conseqüências?

— Aí, já é outro departamento, desconsiderou o colunista.

Intui certo cinismo na voz do meu interlocutor.

Não tive dúvidas. Liguei para o pretenso candidato e lhe informei da nota que publicaríamos no dia seguinte.

A resposta foi monossilábica:

— Cogita-se…

Tentei ser prudente:

— Vamos publicar a nota amanhã. A não ser que você desminta.

Adivinhe o que ouvi do outro lado da linha?

— Cogita-se…

Foi a minha vez de ser irônico, até para ver se lhe caía a ficha:

— Mas, você terá um adversário político dentro do próprio escritório.

A resposta:

— Cogita-se…

Òbvio que o jornal saiu com as breves linhas que se iniciavam exatamente assim: “Cogita-se a candidatura de Fulano de Tal para vereador…”

Óbvio que deu confusão na família e na empresa.

Óbvio que os dois desfizeram a sociedade e se declaram inimigos.

Óbvio que foi uma grande bobagem.

Até porque a candidatura do Tal não vingou.

Não foi além do enganoso “cogita-se”.

Mas, quer saber, deu um perereco danado e o que falar na região…

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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