Eram dois homens a conversar na varanda do apartamento no 15o andar de um prédio em frente ao mar. Chovera a manhã toda, agora se dera a estiagem. Nem por isso o tempo abrira e o sol desse o ar da graça de sua cara redonda e bonachona lá na linha do horizonte, onde os olhares daqueles dois amigos se encontravam e se perdiam em meio à névoa e o nada.
Eles foram próximos nos tempos da universidade e dos primeiros passos na carreira. Depois, a longa e sinuosa estrada da vida deu rumo diferente a cada um deles. Surpresa para ambos reencontrarem-se depois de tantos anos. Estavam ali a convite de outro amigo comum que os convocara para um fim de semana em que comemorariam o 50º aniversário do anfitrião.
Nem um dos dois sabia explicar onde, por que e como se afastaram. Nos primeiros tempos, ainda se falavam. Um telefonava para o outro e o outro para o um. Perguntavam pela família, pelo novo emprego, pelas perspectivas de a carreira decolar. Brincavam com os resultados dos respectivos times de futebol. Um era corintiano fanático; o outro, um desinteressado são-paulino. Sem motivo ou razão, aos poucos foram perdendo o interesse mútuo. A conversa rareou até que o tênue contato entre ambos se desfez.
Ironia nas ironias, com o apartamento lotado de gente conhecida e nem tanto, os dois se viram a sós ali naquela varanda. Silenciosos, algo tristes. A observar o vaivém das ondas e, mais ao fundo, a silhueta de um cargueiro a brincar de esconde-esconde com a grossa neblina que se espalhava mar adentro.
Quem os visse, imaginaria serem dois estranhos, sem nada em comum. Como vizinhos que se encontram no elevador e, mal trocam bom-dia, já se põem a olhar para o teto ou para o chão.
Não havia o quê perguntar. Nem por quê. Eram profissionais bem resolvidos, que não chegaram ao topo dos sonhos. Um era casado, tinha duas filhas – e dava pinta de que nada mais esperava da vida. O outro, ao que corria de boca em boca, se separara, tinha uma vida errante – e agora andava às voltas com problemas de saúde. Pressão alta, coração – não sabia bem ao certo.
Engraçado que nenhum dos dois tinha coragem de quebrar o silêncio. Que, por sua vez, se fazia pesado e insuportável. O casado, então, tomou a iniciativa para acabar com aquela aflição. Sem saber bem o que perguntar, tascou a primeira coisa que lhe veio à mente:
— E os amores, como vão?
Mal acabou a frase e se arrependeu. Já não tinham 20 anos. Certamente não era o início mais adequado. Ainda mais porque sabia que ele chegara só e alguém lhe disse de uma paixão maluca que terminara recentemente…
— Estou só, cara. Mas, juro, meu amigo, eu vivi o maior amor do mundo…
E se pôs a contar a história de um sentimento imprevisto, tresloucado que acabara de viver já na fase, digamos, madura. Falava com tal entusiasmo que, pouco a pouco – o amigo reparou – seu olhar recuperava outra vez o brilho do rapaz aventureiro que um dia ambos foram e que, instantes atrás, parecia não mais existir.
Do nada, voltaram a ser os velhos e bons camaradas, como se o tempo nunca houvera passado. Se me permitem um palpite, acho que sei o porquê. Não há nada mais belo para se reinventar a vida do que um jovem sonho de amor. Mesmo que seja sofrido, destrambelhado e um dia acabe.
Desconfio que até o sol se interessou pela história. Pois, mesmo timidamente, voltou a brilhar naquela manhã em frente ao mar…