Cartola veio a São Paulo para fazer um fim de semana de apresentações no Teatro Célia Helena, ali na Liberdade [desconfio que à época, meados de 70, a Casa ainda não tinha esse nome. A atriz era viva e o lugar abrigava uma espécie de teatro-escola].
Cartola não quis falar com a Imprensa. Por isso, só recebemos os convites para o show na própria Redação – uma cortesia da gravadora Eldorado que acabara de lançar o segundo elepê do compositor de clássicos como “As Rosas Não Falam” e “O Mundo É Um Moinho”.
Aliás, a iniciativa dos espetáculos era justamente a de divulgar o disco novo.
Fui na apresentação de sábado. Havia algo em torno de 200 pessoas, se tanto. A lotação do teatro, em forma de arena, não permitia mais. Diria que a proposta do concerto também não. Dois sofás e algumas mesinhas compunham o cenário que induzia a uma absoluta informalidade. Assim como os espectadores, Cartola e os músicos entraram sem alarde e apresentações. Espalharam-se pelo espaço e, assim que todos se ajeitaram, começou o espetáculo.
Era como se os sambistas estivessem na sala de estar da casa da gente.
E assim assistíamos, embevecidos, a um belíssimo momento da MPB e, por que não?, das nossas vidas.
Cartola mostrava-se reservado, e de poucas palavras. Talvez o frio paulistano o incomodasse. Talvez fosse apenas timidez. Com o indefectível cigarro entre os dedos, repassou todo o repertório de canções. Vez ou outra, era socorrido pelo amigo e parceiro Dalmo Castelo que o substituía nos vocais.
Não lembro o que escrevi sobre o show – mas, gostei muito. Passei a admirar ainda mais aquele senhor, de origem humilde e quase esquecido pela vida, como poeta único e representativo de um Brasil amoroso e sentimental que hoje infelizmente talvez já não exista.
Foi a única vez que vi Cartola, que hoje completaria 100 anos…