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Justificar o injusticável

Votei pela primeira vez para presidente da República em 1989. Foi um momento histórico para toda sociedade brasileira. Estávamos há quase 30 anos sem eleger nosso principal mandatário em função da ditadura militar, de triste memória, que aqui se instalou de 1964 a 1985. Por tudo o que vivemos até chegar ali, àquele momento, a campanha foi muito acirrada, com candidatos de passado relevante – Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Lula, Mário Covas, Roberto Freire, Fernando Gabeira, entre outros. A exceção era justamente Fernando Collor que foi o vencedor e, no dizer do jornalista Mino Carta, “o fio desencapado” a quem se agarraram todos os políticos que deram sustentação ao antigo regime militar. ACM, Maluf, entre outros menos cotados.

No primeiro turno, votei com convicção em Mário Covas que, apurados os votos, acabou em quarto lugar atrás de Collor, Lula e Brizola. Na eleição do segundo turno, fiquei sem candidato. Assustavam-me a origem nebulosa de Collor, o apoio que recebera de figuras anteriormente afinadas com a ditadura, o jeito histriônico de expressar-se. Por outro lado, achava que a eleição de Lula seria um tanto precipitada e, principalmente, os petistas àquela altura do campeonato eram muito chatos. Arvoravam-se a senhores absolutos da verdade e da ética. Quem não estava com eles era amigo do Maluf, era assim que eles pensavam. Para qualquer um, que se julgava minimamente progressista e democrático, não podia haver classificação pior.

Resumo da ópera: resolvi anular o voto. Era minha opção – e assim o fiz. Me achei o lúcido, o alternativo…

Que bobagem.

No dia seguinte, na Redação, o amigo Fernando Saliba me perguntou em quem eu havia votado. Diante da minha resposta, foi taxativo:

— Então você ajudou a eleger o Collor.

Fiz um discurso de hora e tanto tentando justificar o injustificável. “Collorir”, à época, não era considerado verbo; era xingamento. Hoje, quase 20 anos depois, reconheço que o Salibeiro tinha razão.

Por que hoje lhes conto essa história?

Simples. Quando cheguei à minha zona eleitoral já no meio da tarde, ouvi a conversa de alguns mesários. Diziam que “nada havia para se fazer ali” e que o movimento era baixíssimo.

— Acho muita gente preferiu justificar e aproveitar o domingo de sol, disse um deles.

É certo que o pessoal pode ter ido votar na ultima hora – é coisa nossa! No entanto, lembrei-me também que, ao longo da semana, li e ouvi de gente séria, consciente e esclarecida que não iria votar. As desculpas variavam. Iam do “são farinha do mesmo saco” para classificar os finalistas à obrigatoriedade do voto – “uma anomalia desta legislação eleitoral”.

Não sei se mudaria ou não o resultado das eleições* se votassem em algum candidato aqueles preferiram anular ou votar em branco ou ainda justificar “só para tirar onda”. Sei que quem desperdiça o voto acaba por desmerecer a luta que nos fez chegar até aqui. Pela democracia e por uma nação mais justa e solidária.

* (Talvez no Rio de Janeiro, sim. Quase deu para o Gabeira)

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