O Velho Aldo chegou em casa para almoçar no horário de costume. Pouco depois das onze. Além do Diário da Noite, dobrado embaixo do braço, carregava um caixa de papelão de uns 60 centímetros de cumprimento. Parecia pesar um tanto. O Velho sorria como costumava sorrir sempre que aprontava alguma. Poderia ser ‘perder’ um dinheirinho a mais na corrida de cavalos ou sumir noite adentro com os amigos Floriano e Milton. As duas presepadas deixavam a mãe pê da vida. Mas, ele tinha sempre uma boa resposta (desculpa) e tudo terminava bem.
A mãe olhou espantada. Mas ele nem esperou a pergunta:
— É para o moleque!
O moleque era eu que acabara de me alfabetizar e ficava horas a fio lendo os meus gibis favoritos – Cavaleiro Negro, Zorro, Fantasma e o imbatível Roy Rogers. Não havia TV em casa e, no rádio, a mãe só ouvia chorosas novelas. Verdade verdadeira. Lembro até hoje o nome do galã e da mocinha de quase todas tramas, que começavam às 8 da manhã e iam até a noite – Ézio Ramos e Gilmara Sanches e trabalhavam na rádio São Paulo.
Perguntem a qualquer memorialista da história do rádio para ver se não é verdade? Pois é. Não é que reclamasse do gosto da mãe porque nunca fui de reclamar. Digo mesmo que, às vezes, até me emocionavam todos aqueles amores impossíveis. Mas, aos sete ou oito anos, seguramente não era a minha praia. O que me encantava mesmo eram as aventuras dos heróis em quadrinhos – quase todos heróis do Velho Oeste.
Ao perceber meu interesse, o Aldão não pensou duas vezes quando o Sr. Judah invadiu a fábrica de tecidos onde o pai trabalhava oferecendo coleções de livros a preços módicos e em suaves prestações. O negócio saiu rapidinho. Desconfio que ele pechinchou por pechinchar, mas não fez questão nem do papel de embrulho.
Logo estava em casa com a misteriosa caixa. Como não era meu aniversário, estranhei a generosidade do pai. Desconfiei. Tinha quatro para cinco anos quando ganhei um bondinho em troca de “me comportar” enquanto o médico me operava as amígdalas.
Ao abrir a caixa, naquela manhã, prognosticou:
— Quero ver meu filho doutor.
Imaginei, então, que fosse um daqueles jogos que imitavam equipamentos médicos. Era a minha chance de ir a forra e as vítimas seriam as bonecas e os bichos de pelúcia das minhas irmãs. Seria a minha vez de operá-los sem dó, nem piedade. Começaria pelo maior deles…
Logo meu desejo de vingança se evaporou. Dentro da caixa, havia apenas e magicamente livros. Dez. Todos os volumes com capa dura e verde água. Diferente dos gibis, tinham poucas ilustrações. Apenas um nome estampado em dourado sobre um fundo vermelho na lombada de cada tomo:
COLEÇÃO REINO INFANTIL
Traziam histórias orientais. De reis, rainhas, princesas, príncipes, cavaleiros, magos… Um mundo lúdico que eu desconhecia e onde a verdade sempre prevalecia.
Ainda hoje os tenho comigo. Na parte nobre da minha estante. Prometo folheá-los amanhã, 30 de outubro, em reverência ao Dia Nacional do Livro. Afinal foram os primeiros que ganhei – e desconfio a razão do que hoje sou.
Aliás, nem sei se o Velho Aldo, se hoje pudesse me ver, aprovaria?
O menino não virou doutor.
Virou contador de histórias…