É provável que já tenha escrito aqui sobre eles. Seguramente foram citados, sem as devidas pompas e circunstâncias, em uma ou outra história. Hoje, porém, quero fazer uma singela reverência ao Bilex e à Ligia.
Bilex era um garoto negro – àquela época, nos idos dos 50, se dizia preto sem qualquer objeção do politicamente correto –, uns dois ou três anos mais velho do que nós, os pequenos da rua Muniz de Souza.
Não andava com os grandões porque, embora forte e esperto, tinha pouca intimidade com a bola. Como para nós o futebol era fonte de prestígio e liderança social, Bilex sentia-se mais confortável entre a gente, moleques de dez, onze anos. Pelo menos em nosso time, ele era titular como um vigoroso zagueiro.
Ninguém ao certo lhe sabia o nome. Morava, como tantos de nós, no cortiço que eufemisticamente chamávamos de Vila. Apareceu por ali na tarde de um dia qualquer e logo alguém o apelidou de João Bilex em razão do cantor americano Billy Ekstein.
Ele nem se importou, e o apelido pegou o tempo que Bilex andou por lá.
Do jeito que surgiu, soubemos, em outra tarde de outro dia qualquer, que Bilex e os familiares (que não chegamos a conhecer) mudaram-se do Cambuci, sem deixar notícias.
Voltaram de onde vieram, alguém lembrou.
Do amigo breve, restou o incrível dom de inventar histórias em que nós, garotos remediados, filhos de operários, virávamos heróis de capa e espada. Éramos amigos leais e hábeis espadachins – e lutávamos juntos em defesa Del Rei e pelo amor da princesa Ligia.
Tínhamos até um lema:
“Um por todos. Todos por um.”
Não sei como Dona Izabel, nossa professora no Grupo Escolar Oscar Thompson, ficou sabendo dessas imaginosas aventuras. Quando me encontrou, riu, fez uma expressão de deboche e nos provocou.
Disse que a tal história já existia. O Bilex não era tão criativo assim. Apenas copiara um tal de Alexandre Dumas que escreveu, lá nos antigamente, Os Três Mosqueteiros.
Disse mais:
Que a Ligia não era princesa, e sim a filha mais velha do dentista, Dr. Carlos.
E que eu parasse de me iludir, tratasse de estudar e deixasse de me meter em encrencas, pois meu nome não era D’Artagnan…
( * Foto: Caio Kenji.
Fico lhes devendo um post sobre a Ligia.)