Quando lhe perguntei o nome da criança que me disse esperar, um sorriso iluminou o rosto de linhas delicadas:
– Se for menina vai se chamar Laura…
Gostei tanto da escolha que sequer a deixei concluir a frase. Não me interessei em ouvir a opção escolhida caso fosse menino.
Rebati de pronto:
“Olha, que bonito. Me lembra uma música antiga, líndissima", respondi tão ou mais entusiasmado que tive vontade de cantá-la (a canção, não a moça que é minha amiga).
Soube me controlar. Mas, não sei se ela entendeu meu espanto.
Minha jovem amiga – que adora música e tem um gosto refinado, de sensível pianista que é – jamais ouvira falar na dolente canção de Accyr Pires Vermelho e João de Barro (codinome do velho e bom e saudoso Braguinha), gravada por Jorge Goulart nos idos de 1957.
II.
Dia desses a encontrei nos corredores da Universidade. Notei que estava mais feliz, mais plena. Educado que sou, perguntei como estava a gravidez.
Ganhei outro sorriso e uma incumbência.
— Estamos ótimas. É menina – e vai se chamar Laura. Aliás, quero tanto ver a letra da canção que você disse conhecer. Arranja pra nós?
Desejo de mulher , vocês sabem, é uma ordem – grávida, então… Como ela brincou de falar por si própria e por Laura, que logo virá, trato de atendê-las solenemente hoje aqui em nosso modesto blog.
III.
Aí vai:
O vale em flor…
A fonte,
O rio cantando,
O sol banhando a estrada,
Frases de amor.
Laura…
Um sorriso de criança.
Laura,
Nos cabelos uma flor.
Ô Laura,
Como é linda a vida.
Ô Laura,
Como é grande o amor.
Depois o adeus, o lenço,
A estrada, a noite,
O bar, as taças de dor.
Laura,
Quéde a rosa no cabelos.
Laura,
Quéde o vale sempre em flor.
Ô Laura,
Como é linda a vida.
Ô Laura,
Como é grande o amor.
Ô Laura…
Ô Laura…
Ô Laura,
Como é linda a vida.
Ô Laura,
Como é grande amor…
IV.
Poderia encerrar o post por aqui. Que já daria minha missão por cumprida.
Mas, permitam-me uma divagação.
O Brasil do fim dos anos 50 vivia um momento único. De esperança e fé no amanhã.
Esclareça-se: em todos os segmentos sociais.
Era o Brasil de JK, da política desenvolvimentista do 50 anos em 5. A construção de Brasília, a consolidação da indústria automobilística, o projeto País do Futuro. A soberania da espernça.
Mas, auspiciosos horizontes se abriam também para os esportes (fomos campeões mundiais de futebol em 1958, de basquete em 1959, bicampeão de tênis em Wembley com Maria Ester Bueno no início dos 60), a comunicação (o boom da TV, da publicidade) e as artes — o teatro Oficina, a chanchada no cinema, a bossa nova.
Aliás, se atentarmos para a canção, a delicadeza dos versos sincopados, a analogia da mulher amada às belezas naturais (como o vale em flor, a fonte, o rio cantando, o sol banhando a estrada, entre outras) já anunciavam o novo momento da música popular brasileira.
A bem da verdade, tudo no Brasil daquele anos dourados prenunciava uma nova era…
Um tempo que se cumpriu até a ruptura, do Golpe em 64.
V.
Sou otimista, meus caros.
Desconfio que aprendemos a lição.
Toda vez que sei da chegada de Lauras, Bias, Sabrinas, Antônios, Renatos, Ilyas, Cacaus, Gabrielas…
Em toda a anunciação, acredito piamente que esse pessoalzinho irá além de onde fomos – e, me conforta a doce certeza: eles, sim, saberão construir o novo tempo.
* FOTO no blog: Jô Rabelo