Antecipo-me às reportagens que inevitavelmente destacarão, a partir de amanhã, 31 de março, o 45º aniversário da Redentora. Mas, não quero falar propriamente do Golpe Militar que jogou o Brasil em 21 anos de ditadura militar. Pretendo, sim, mostrar as idéias e a ação de um de seus mais contundentes e indignados opositores, o dramaturgo, ator, escritor e jornalista, Plínio Marcos.
Plínio Marcos morreu em novembro de 1999. O que transcrevo a seguir é a entrevista que fiz com “o cronista das quebradas do mundaréu”, ao lado do amigo e jornalista Clóvis Naconecy de Souza, autor do título e da abertura da reportagem, publicada em 4 de março de 1978, no glorioso Jornal da Mooca.
É este bate-papo que transcrevo a seguir:
UM MALDITO CUSPINDO – PLINIO MARCOS –
FORA A CULTURA IMPORTADA
Fruto maduro de uma inopinada coincidência, a entrevista com Plínio Marcos, teatrólogo, ator, jorna¬lista, escritor, sambista e muitas mumunhas mais neste mundaréu, deve ser atribuída aos caprichos especiais da obstinação jornalística. Na verdade, há algum tempo já se matutava sobre a possibilidade de um encontro com esse que é um personagem sempre polêmico, sempre atuante da cultura nacional. Mas em todas ocasiões se tropeçava na falta de referências quanto à sua atual localização.
Superado esse empecilho, às custas de, digamos assim, um "feliz esbarrão", pôde-se, af¬inal, entrevistá-lo.
Com o olhar de um ex-malandro, sorrateiro à espreita de possíveis agressões em forma de perguntas, Plínio foi respondendo, com a desenvoltura de um conferencista experimentado, a Clovis Naconecy de Souza e Rodolfo Carlos Martino, do Jornal da Mooca, toda a uma bateria de questões que estavam engasgadas sobre a cultura nacional e seus pontos de visto a respeito, Sempre com a retina baixa, as pálpebras pesadas com todo o fardo de uma geração sufocada em sua livre expressão, resultado de toda uma vida, como ele próprio diz, “denunciando todas as coisas que a gente vê”.
– Plínio, você está fazendo atualmente o quê?
PM – Atualmente (março de 1978), eu tenho duas peças em cartaz. Uma chamada “O Poeta da Vila” que está aqui em São Paulo há nove meses e outra que está correndo pelo Brasil que é “Os Dois Perdidos Numa Noite Suja”. Ao lado disso, meus livros estão vendendo muito bem… eu vivo folgado.
– O que você se considera mais precisamente: um teatrólogo, um ator, um jornalista ?
PM – Pelas circunstâncias, eu aprendi a brincar nas onze, né? Sou autor, sou jornalista, sou ator, autor teatral, radialista, uma porção de coisa. Sou romancista. Por função das circunstâncias, acabei me esforçando nas onze e dando certo.
– Seria interessante fazer uma retrospectiva de como você começou, dificuldades…?
PM – Eu nasci em Santos em 1935, tenho, portanto, 42 anos. Comecei minha carreira artística no Pavilhão Teatro Liberdade como palhaço, trabalhando cinco anos no circo. Depois passei a escrever e logo a dar trabalho para a polícia. A primeira peça, “Barrela”, esta proibida até hoje já faz 18 anos.
– Essa peça falava em presídios?
PM -Presídio, exatamente. O que é pena, pois é apenas uma reportagem de dezoito anos atrás, mas que ainda tem valor hoje porque a realidade brasileira não se alterou. Muito pelo contrário, só piorou, né?
– Esse último musical seu “O Poeta da Vila” fala especialmente da vida de Noel Rosa. Seria oportuno que você lembrasse o show anterior onde, além do humor, fazia uma espécie de divulgação do samba paulista?
PM – “Plínio Marcos e os Pagodeiros. O Humor Grosso e Maldito das Quebradas do Mundaréu” era uma tentativa de se criar espaço para os compositores autênticos do samba de São Paulo, como Toniquinho Batuqueiro, Talismã, Geraldo Fiume, Zeca da Casa Verde, Paulinho Carneiro, Silvio Modesto, essa turma aí.
– E o resultado?
PM – Foi muito bom. Gravamos discos. Fizemos novela na televisão, e outros programas. Realizamos uma porção de coisas. Acontece que enquanto a gente não tiver posse do mercado brasileiro, enquanto nós vivermos de importação de cultura de consumo, nada vai ser bom para o artista brasileiro.
*Amanhã continua…
* FOTO no blog: Caio Kenji