Com quase 20 anos de “estrada”, o cearense de Sobral, António Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes aprendeu a ver com serenidade as idiossincrasias do chamado mundo da música. Aos 45 anos, ele cumpre uma estafante agenda de, no mínimo, 20 shows mensais nos mais diversos pontos do País (ainda hoje encerra uma bem-sucedida temporada no Palace). Para setembro, “mais tardar outubro”, deve lançar novo disco só com músicas inéditas (provavelmente pela WEA) e, ainda agora, a poderosa Som Livre colocou na praça Belchior/Antologia, com sucessos do tempo em que pertencia ao cast da Continental. Mesmo com toda essa lida e dos 15 elepês gravados, a obra de Belchior amarga um injustificável segundo plano junto aos mass-mídias.
“É algo que nem gosto de comentar”, desculpa-se o cearense. “Pode parecer deselegância. Mas, é o que efetivamente acontece comigo e com tantos outros artistas de primeira linha da MPB. Somos ignorados pelo rádio e pela TV. Porém, nossos shows – seja onde for – estão sempre com a casa cheia, as pessoas sabem cantar nossas músicas. E há uma empatia muito forte, emocional até, entre plateia e intérprete.”
Belchior explica que, em todas as apresentações, é obrigatória a inclusão de uma dezena de músicas por absoluta exigência do público. As pessoas ficam decepcionadas se não ouvirem “A Palo Seco”, “Hora do Almoço”, “Paralelas”, “Como Nossos Pais”, “Velha Roupa Colorida”, “Apenas Um Rapaz Latino-Americano”, entre outras. Explica também que nessas andanças – que é o que mais o fascina na dita vida de artista -, passou a cantar para um público infinitamente maior do que aquele que lhe aplaudia nos tempos do sucesso (entre 76 e 80). Ele garante que hoje atinge um segmento bem mais amplo em todo o Brasil – e não apenas no eixo Rio-São Paulo.
“Não que a coisa do sucesso me incomode. Ao contrário. Não há eficácia no objeto artístico longe do grande público. Para quem, como eu, cresceu ouvindo Nora Ney, Angela Maria, Cauby pelo serviço de alto-falante é verdadeiramente muito gratificante tocar no rádio, viver esse ne¬gócio de música no ar… Mas, esse trabalho que venho realizando desde 82 – os shows frequentes por todo o Brasil – é a consolidação de algo mais estável, mais verdadeiro. Me põe frente a frente com o meu público e com uma nova geração que, para minha surpresa, sabe das minhas canções.”
Para comprovar essa interação público/intérprete, Belchior cita o recente disco Belchior/Antologia. Ele sequer conhece a relação das músicas que constam no elepê. Tomou conhecimento de seu lançamento através de um cartaz que viu numa loja e -pura ironia – pela chamada na TV. Ao que ‘consta, foram os próprios vendedores da Som Livre que, de tanto ouvir a solicitação dos lojistas, deram toque que essa coletânea seria mais do que oportuna.
“Coisas de Brasil”, arremata o cantor/compositor. “Não adianta vir com sofismas, teorias de marketing… A música popular é uma manifestação tão latente nos brasileiros que, apesar de todo o sufoco que lhe dão, ela sobrevive, se renova, se internacionaliza… É seguramente uma de nossas formas de arte de maior vitalidade, tanto na questão estética quanto cultural.”
Já sobre o disco de músicas inéditas, Belchior salienta que “é um trabalho que surge, naturalmente”. O exercício de sua faceta de autor, sem outras – e maiores -novidades. São canções “mais apaixonadas que amorosas”. Falam da utopia de cada um, das emoções, dos sonhos, do cotidiano das pessoas. Têm letras pungentes e pretendem, muito mais, dar alguns toques aos eventuais ouvintes do que propriamente obter o sucesso imediato. É o lado geração on-the-road do Belchior
“Continuo com essa coisa Beatles, Bob Dylan… Certamente, não fui o melhor nem o mais inspirado intérprete da minha geração. Mas, certamente, entre os brasileiros, fui o primeiro a fazer um levantamento crítico de nossos anseios, sonhos, fracassos, conquistas… Um painel de nossas emoções…”
“Viver é melhor que sonhar”, diz a canção. Belchior que a escreveu. Ao lado da mulher Angela e dos filhos Camila (14 anos) e Nicael (9), ele procura viver a utopia de ser feliz. Mora em São Paulo, mas torce para o Fluminense no Rio. E, nos intervalos das temporadas, desenvolve um meticuloso trabalho de ilustrações gráficas e poemas caligráficos. Há sete anos realiza um estudo sobre a “Divina Comédia” de Dante. Um trabalho que pretende concluir em 93 e, se possível, participar da Bienal do Livro em São Paulo. “Aprendi a trabalhar descansadamente”, sorri. “É minha contribuição enquanto artista, enquanto pessoa. Acho que essa descaracterização cultural pela qual passamos por força de tantos equívocos, é, na verdade, assunto para a crítica, para a imprensa, um estudo talvez mais sociológico… Que mais pode fazer um artista senão representar, cantar, escrever, pintar… Nossa arte é nossa forma de resistir.”