Chico Buarque arrombou a Festa Literária Internacional que acontece em Paraty. Formou a mesa mais concorrida do evento com o escritor amazonense Milton Hauton (autor de “Órfãos do Eldorado”) e falou pela primeira vez sobre “Leite Derramado”, livro que a Companhia das Letras lançou em março deste ano.
Tímido por natureza e tradição, desde os tempos dos festivais da TV Record, o cantor/compositor surpreendeu ao iniciar sua participação com a leitura de um trecho do capítulo 20 em que o personagem central, o velho Eulálio, ouve a transa de uma das suas descendentes que lá pelas tantas diz:
— Fode eu, negão! Enraba eu, negão.
Além do assédio da imprensa, houve confusão também durante a sessão de autógrafos, compreensível pelas raras aparições públicas de Chico e pela quantidade de câmeras digitais ao seu redor, fosse onde fosse.
O autor, aliás, fez outra declaração surpreendente:
“Escrever é uma chatice.”
II.
Lamento lhes informar que ele não está sozinho nessa afirmação.
Anos atrás, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony disse algo muito próximo a isso. Por vontade própria, Cony ficou 25 anos longe da literatura, sem escrever um livro sequer. Voltou em 1996, com o premiado “O Piano e a Orquestra” (que prometo reler em breve).
Durante o lançamento, os repórteres lhe fizeram a pergunta inevitável: por que tanto tempo ausente da literatura?
Cony respondeu com simplicidade.
Estava feliz. E quando se está feliz tudo o que se quer é viver intensamente aquele momento; não, ficar diante do desafio de um texto por semanas, meses a fio.
III.
No meu entender, foi o grande Armando Nogueira quem mais entendeu esse desafio e lhe deu a definição mais precisa. Ele falava especificamente aos jornalistas, mas, creio, é uma verdade que pode abrigar escritores e afins – a todos nós que vivemos do ofício de enfileirar letrinhas:
“Jornalista não gosta de escrever. Gosta de ter escrito…”