Devo reverências aos amigos corintianos pela conquista desta semana, a Copa do Brasil.
Aproveito, pois, o ensejo deste que é o meu 900o post para publicar um texto que acho memorável, A Invasão Corintiana, escrito por Nélson Rodrigues e publicado em O Globo, em 6 de dezembro de 1976.
Foi por ocasião de uma semifinal do Brasileirão daquele ano. A Fiel torcida invadiu o Rio de Janeiro e levou o time a um empate histórico diante do Fluminense que tinha mais time. Nos pênaltis, deu Timão que enfrentou o Internacional na finalíssima – e perdeu.
Vejam o relato do cronista:
A INVASÃO CORINTIANA
Por Nélson Rodrigues
Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações.
Até que lá, um dia, acontece a grande vitória.
Ainda digo mais: já estava escrito há seis mil anos, que em certo domingo, de 1976m teríamos um empate.
Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.
Ninguém sabia, ninguém desconfiava.
O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade.
Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema.
E as bandeiras do Corinthians ventavam a procela.
Ali, chegavam os corintianos aos borbotões.
Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.
A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado com tamanha euforia.
Um turista, que por aqui passasse, havia de anotar em seu caderninho: ‘O Rio é uma cidade ocupada’.
Os corintianos passavam a toda hora e em toda parte.
Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo.
Pois ganha.
Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time.
Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel.
Um amigo me perguntou: ‘E se o Corinthians perder?’
O Fluminense era mais time.
Pois estavam certos, e maravilhosamente certos os corintianos, quando faziam um prévio carnaval.
Esse carnaval não parou.
De manhã, acordei num clima paulista.
Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam.
Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca.
Expliquei-lhe que o Tricolor era, no final do Brasileiro, o único carioca.
Não cabe aqui falar em técnico.
O que influiu e decidiu o jogo foi a torcida.
A torcida empurrou o time para o empate.
A torcida não parou de incitar.
Vocês percebem?
Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca.
Os corintianos estavam tão certos de que ganhariam que apelaram para o já ganhou.
Veio de São Paulo, a pé, um corintiano. Eu imaginava que a antecipação do carnaval ia potencializar o Corinthians.
O Fluminense jogou mal?
Não, não jogou mal.
Teve sorte?
Para o gol, nem o Fluminense, nem o Corinthians.
Onde o Corinthians teve sorte foi na cobrança dos pênaltis.
A partir dos pênaltis, a competição passa a ser um cara e coroa. O Fluminense perdeu três, não, dois pênaltis, e o Corinthians não perdeu nenhum.
Eis regulamento de rara estupidez.
Tem que se descobrir uma outra solução. A mais simples, e mais certa, é fazer um novo jogo.
Imaginem que beleza se os dois partissem para outro jogo.
Futebol é futebol e não tem nada de futebol quando a vitória se vai decidir no puro azar.
Ouvi ontem uma pergunta: ‘O que vai fazer agora o Fluminense?’
Realmente, meu time não pode parar.
O nosso próximo objetivo é o tricampeonato carioca.
Vejam vocês: empatamos uma partida e realmente um empate não derruba o Fluminense. Francisco Horta já está tratando do tricampeonato.
Estivemos juntos um momento. Perguntei: ‘E agora?’
Disse: ‘Amanhã vou tomar as primeiras providências para o tricampeonato’.
Como eu, ele não estava deprimido.
O bom guerreiro conhece tudo, menos a capitulação.
Aprende-se com uma vitória, um empate, uma derrota.
Só a ociosidade não ensina coisa nenhuma.
No seguinte jogo, vocês verão o Fluminense em seu máximo esplendor.