Porto Alegre, 1973.
Do livro Caderno H, de Mário Quintana:
O QUE ACONTECE COM AS CRIANÇAS
Aprendi a escrever lendo, da mesma forma que se aprende a falar ouvindo. Naturalmente, quase sem querer, numa espécie de método subliminar. Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia continuamente e avidamente um mundaréu de histórias (e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas, lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora as crianças de hoje não se acostumam a ler corretamente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo “texto” se limita a simples frases interjetivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas.
Exagerei? Bem feito! Mas se essas crianças, coitadas, nunca adquiriram o hábito da leitura, como saberão um dia escrever?
São Paulo, 2009.
Manhã de quarta, 20
Há semanas, enquanto esperava o recomeço das aulas, o blogueiro encontra o marcador de texto na página 66 do livro supracitado, relançado há algum tempo pela Editora Globo.
Pergunta-se:
Algum motivo há para tal registro.
Talvez seja para citá-lo em sala de aula ou mesmo para comentá-lo em post futuro. Coisa que não se lembra de ter feito – mas, toma-se de coragem para agora fazê-lo.
Por um motivo simples.
O grande e saudoso Quintana se refere às histórias em quadrinhos. Mas o que diria hoje num tempo das páginas de relacionamentos, da mobilidade das comunicações, da informação em tempo real, dos emails, sites, blogs, twitters e congêneres.
Dizem que nunca se escreveu tanto no Planeta – e, por vezes, tenho delírios de imaginar o quanto se trombam as letras e as mensagens no tal ciberespaço.
Não se espantem!
É uma alucinação, imagino, de qualquer internauta sempre que precisa “limpar” a caixa de mensagens.
No entanto, creio, chama a atenção um detalhe tão pequeno de nosso dia-a-dia.
Teclar é escrever?
Tenho lá minhas dúvidas, tamanha a indigência do vocabulário e da escrita. Escrever a palavra “você” num email equivale à excomunhão do indivíduo do rol dos conectados. Sem falar das coisas que ficam por dizer, dos diálogos entrecortados e surreais.
Desisti do MSN por isso.
Bocão Verde diz:
— Aêeee.
E eu, do outro lado da tela:
— Como assim, rapaz?
Bocão Verde diz:
— Belê?
E eu a me defender como posso:
— Claro, claro…
Bocão Verde diz:
— Uahuahuahuahuahuah
Tento ser moderninho e encerro o assunto:
— Fui.
Ou seja, resumo da ópera.
Como bem anotou Quintana, “uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas”.
FOTO no Blog: Caio Kenji