Novembro de 1985.
A combativa redação vivia o frenesi do fechamento da edição do jornal em que se anunciaria a vitória de Jânio Quadros na eleição para prefeito de São Paulo.
O ânimo não estava lá aquela coisa.
Torcíamos por uma vitória de FHC, então o príncipe dos socólogos, o professor da USP, o exilado que voltou, o senador, o queridinho dos artistas. O favorito de todas as pesquisas.
Acreditávamos que era o homem a comandar os rumos da democracia tenra que recém se instalara.
Torcíamos por ele – e muito.
Todos.
Ou melhor, quase todos.
Ismael, inesquecível e saudoso amigo, era janista.
Mas, não se manifestava…
No arroubo daqueles tempos, marcados pela redemocratização, éramos em nossos discursos um rolo compressor.
Jânio era o passado.
O retrocesso.
A volta ao obscurantismo.
O pior.
Isma ouvia a todas as nossas perolações.
Algumas, diria, eram pura provocação.
Desconfiávamos da sua postura, digamos, de centro-direita.
Foi assim durante toda a campanha, magnificamente embalados ao som de Vai Passar, canção que Chico Buarque doou à tão estóica candidatura.
Naquele dia, já consciente da vitória janista, Ismael chegou ao jornal para escrever a coluna de TV. Cumprimentou a todos e permaneceu em silêncio. Não fez sequer um comentário sobre a eleição do dia anterior.
Inconformado com os resultados das urnas, o pessoal escrevia e vociferava contra tudo e contra todos.
O silêncio do Ismael soava como uma agressão aos nossos vãos ideais, que não resistiram à uma boa vassourada de votos.
Ele, ali, em sua mesa a batucar o texto com a rapidez de sempre.
Logo terminou a coluna e se encaminhou à mesa do editor para entregá-la e ir embora.
Não sei porque cargas d’água, um dos nossos resolveu cutucar a fera.
— Ismael, você é janista. Fala aí. É janista, diz… É ou não é? Confessa?
Isma abriu um largo sorriso – e, pela primeira vez, resolveu enfrentar o nosso mau humor.
— Meus caros, só tenho uma coisa a dizer… Bem feito!