Não era nissei, sansei ou o quê lá sei.
Chamava-se Aline e morava no Jardim Japão, “um pouco pra lá do Campo de Marte”, como gostava de dizer a fim de amenizar aos olhos dos incautos a lonjura do bairro.
Talvez por isso todos a saudaram como se ela fosse de outro Planeta e, mesmo sem nunca termos ouvido falar do tal Jardim Japão, já a elegemos a estagiária do mês, do ano, da década, do século que então vivíamos e do século 21 que, naqueles idos, ainda estava por vir.
Nem as aterradoras ameaças de Nostradamus toldaram nosso entusiasmo.
Éramos assim – um tantinho exagerados – naquela velha Redação de piso assoalhado e grandes janelas para a ruidosa avenida no tradicional bairro paulistano.
Até o Almeidinha, que era o mais recatado dos nossos, a descreveu como “um colírio para os olhos”.
E completou, cofiando o vasto bigode:
— Bela espécie!
Já o Escova, o Don Juan das quebradas, não teve dúvida. Desde então, cheio das intenções só a chamava de “princesa”.
No que emendava:
— Permita-me ser o seu príncipe.
Na verdade, ninguém foi além da cobiça com a moça.
Duas semanas, se tanto, e a moça já anunciou que estava de saída. Seria efetivada na Gazeta Mercantil.
Estranhamos, mas não muito.
Ela, que apanhava para batucar um simples roteiro de cinema, deveria entender pra caramba de Economia, especialidade do jornal que marcou época no gênero.
A própria Aline nos tranqüilizou:
— Entender, entender eu não entendo. Mas, eles disseram que adoraram meu portfólio.
Só quando se virou- para ir embora, depois das protocolares despedidas, tivemos certeza do que a moça dizia. Tinha mesmo um portfólio admirável, de fazer inveja a Jenniffer Lópes que, ao que eu saiba, nunca morou no Jardim Japão ou escreveu sequer um linha sobre oscilação cambial, investimentos, comoditties e afins.