Tchinim gostava de acompanhar a avó Ignês em suas idas à Vila da Alegria.
Ao menos em uma das noites da semana, ela visitava à comadre, dona Pimeta, que era casada com o seo Giusepe, e tinha uma filha que se chamava Pia Rosa.
No caminho, entre a rua Lavapés (onde moravam os avós de Tchinim) e a Vila, era obrigatória uma parada na vendinha de Giusepe, na avenida Lins de Vasconcelos. Lá, enquanto aguardavam a comadre livrar-se dos afazeres do balcão para ir embora, o garoto quedava-se fascinado com o olhar fixo na gaveta repleta de bolinhas de gudes que estavam à venda. De beleza faiscante, Tchinim sonhava ser o feliz proprietário de todas elas – e, de posse de tamanha e invejável riqueza, considerava-se o homem mais feliz e poderoso do mundo.
Vez ou outra, o bom italiano o presenteava com uma ou duas daquelas inebriantes preciosidades, feitas em vidro e sonhos.
Generosidade que valia a noite – e o fazia delirar.
O garoto – como todos os garotos, creio; e inclusive alguns adultos – tinha uma tendência em imaginar coisas.
Daí que não ser raro ver-se como uma espécie de Ali Babá. Sem os quarenta ladrões, lógico.
Via-se, na calada da noite, entrando no empório pelo alçapão e o facho de sua lanterna a carvão a iluminar a gaveta encantada. Em rápidos gestos, todas aquelas pérolas multicoloridas passavam para a sacola que o salteador carregava. De quebra, ainda tomaria um guaraná caçula e partiria sem deixar vestígios.
Esconderia o tesouro na caverna mágica que existia em seus devaneios, e que se abriria assim que dissesse a palavra mágica, que só ele, Tchim, conhecia:
— Abra-te, Sésamo!
Ou seria:
— Abracadabra!
Ou ainda:
— Piririplimplim!
Bem, que a mãe lhe dizia para ter mais atenção ao ler os livros que o pai lhe dera.
E agora, o que faria?
Estava ali – em pleno sonho – com aquele pedaço saco de bolinhas de gude, pesado pra caramba, sem ter onde colocar.
Desistiu do sonho numa boa. Voltou a realidade! Ademais, era ruim demais jogando ‘caçapava’ pra valer. Seu tesouro – se é que um dia chagasse a ser seu – seria dizimado pelas bárbaras ‘estecas’ dos garotos da rua.
De verdade mesmo, ele gostava de jogar futebol.
Seria igual ao Mazzola, centro avante do Palmeiras, a quem o pai chamava de “o maior jogador do mundo”, naqueles fugidios e lúdicos anos 50, (A.P.). Ou seja, antes da Era Pelé.