Leio nos jornais o caso da moça que pagou para ser morta.
E me impressiono com a observação do repórter no corpo do texto:
“O ex-marido não atendia mais as suas ligações”.
II.
Deu-se há dez ou doze dias na pacata Penápolis, interior de São Paulo.
Fico ruminando a história.
Tinha pouco mais de 30 anos. Era advogada, fazia curso de preparação para o serviço público e sofria de depressão. Inclusive para familiares e amigos já manifestara o desejo de suicidar-se. Faltava-lhe, porém, coragem para o gesto final. Por isso, preferiu contratar alguém para o trágico desfecho.
III.
Consta da reportagem que a moça tinha vida normal, cercada de pessoas que lhe demonstravam afeto e preocupação com o que lhe pudesse ocorrer.
Fora casada – e parece que a tal depressão pôs fim ao relacionamento.
“O ex-marido não atendia mais as suas ligações”.
IV.
Buscou ajuda na terapia e em grupos de apoio.
Em vão.
Contratou um matador de aluguel.
E silenciosamente se deixou levar para o matagal onde foi assassinada com três tiros.
Não houve sequer um momento de hesitação, disse o matador à Polícia.
V.
Uma semana antes, ela confessou enigmática a uma amiga:
“Semana que vem vou virar notícia de jornal”.
Ao criminoso, disse tão implacável como os tiros que recebeu:
“A vingança é um prato que se serve frio.”
Nas investigações, os policiais encontraram um bilhete aos familiares, onde se destaca a declaração ao ex:
“Não vou te esquecer”.
VI.
“O ex-marido não atendia mais as suas ligações”.
De volta à frase que me impressiona…
Em tempos atuais, a sensação que se tem é que todos vivemos conectados e ao alcance uns dos outros – email, torpedos, msn, redes sociais, celular etc.
Meios e instrumentos não nos faltam.
Estão à nossa disposição, quando, onde e com quem bem entendemos.
VII.
Quando se corta esse elo – por algum motivo –, nosso mundo parece ficar de ponta a cabeça.
Desespero.
Deixamos de existir.
Somos esquecidos, ignorados.
Morremos.
VIII.
Exagero?
Reparem…
Mesmo com todo o aparato tecnológico, virtual, desconfio que nunca estivemos tão sós.
IX.
“O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais”. (Fernando Pessoa)