E, então, naquela tarde ensolarada, alguém na velha redação de piso assoalhado e grandes janelas para rua Bom Pastor descobriu que era aniversário do Escova – um dos mais antigos repórteres da casa.
É bem verdade que o tal era mais conhecido pelos enroscos sentimentais que arranjava do que propriamente pelas reportagens que fazia, sem lead e, não raras vezes, sem título.
— Sou da velha guarda, defendia-se. – Título é coisa para o editor. Além do que o bom texto sempre se garante, e eu modestamente sei contar uma boa história.
Justiça seja feita.
Escova escrevia bem, sabia desenvolver uma boa história.
Mais do que isso, sabia também viver grandes histórias de amor – ou coisa que o valha.
Ao menos três vezes ao dia, ele jurava ter encontrado a mulher da sua vida. Ao menos era isso o que ouvíamos o tal dizer, ao telefone, sempre para mulheres diferentes.
Não à toa, o chamávamos de Dom Juan das Quebradas do Sacomã.
Fingia não gostar do apelido.
Mas, rejubilava-se em contar seus romances em prosa e verso. Mais prosa do que verso, convém ressaltar.
Então, como dizia, era seu aniversário – e alguém na Redação imaginou uma festinha surpresa para não deixar passar a data em branco.
Ele era abilolado, mas era nossa amigo, pôxa.
E assim foi feito.
Escova saiu para uma reportagem – e aproveitamos para preparar a redação para a comemoração.
Compramos um bolo na padoca, bebida que ninguém é de ferro, enfeitamos com algumas bixigas as paredes – essa coisa kitsh que sempre se faz nessas ocasiões.
Quando Escova voltou, o garoto que cuidava do estacionamento deu o sinal e as máquinas pararam.
Ficamos em silêncio.
Assim que ele pôs o pé na redação, soltamos a voz…
Parabéns a você, nesta data… etc etc etc
Recuperamos o fôlego e continuamos:
Para o Escova nada…
Tudo!
Então como é que é…
É pique! É pique! É pique!
Escova…
Escova…
Escova…
Tudo dentro da normalidade, não fosse uma vozinha lá no fundo a destoar do coro e a gritar:
– Canalha.
– Canalha.
– Canalha.
Era Carlinha, a estagiária que estava há menos de uma semana no jornal.
Ela insistia…
– Canalha.
– Canalha.
– Canalha.
Uma das secretárias espantou-se e foi até ela para lhe cobrar bons modos:
– Mas o que é que há, menina? É uma festa de aniversário… Porque isso?
E a estagiária, entre um gritinho e outro, justificou-se laconicamente:
– Hum! Eu tenho meus motivos, minha cara.
E mais não disse porque nada mais precisava ser dito.
O Escova era terrível, não perdia tempo mesmo…