Somos todos medíocres!
Ouvir assim a verdade dura, nua e crua da voz de um amigo de fé, irmão camarada, não é fácil, convenhamos.
É certo que Carlão estava movido a uns bons goles, o suficiente para romper a barreira da timidez, das convenções e de qualquer regra de cordialidade.
Na hora, ninguém deu a mínima.
Mas, agora a voz do amigo ressoava tonitroante em sua cabeça:
— Somos todos medíocres na acepção do termo…
Fez um breve exame de consciência – e ponderou: oCarlão tem razão. Não vivemos, vegetamos, pensou.
Chegou ao trabalho visivelmente transtornado.
Nunca havia pensado nisso.
A vida é um milagre – e o que estamos fazendo com ela?
Tentou responder a questão que agora o afligia com um olhar mais alongado para a repartição em que trabalhara por anos a fio.
Todos estavam em suas baias, empenhados em suas funções, e com aquela expressão… aquela expressão… me-dí-o-cre.
Estava assim, digamos, em transe quando topou com o sorridente Carlão à sua frente.
Antes mesmo do bom dia, resolveu tirar a limpo a falseta da noite anterior:
— Carlão, o que você quis dizer quando chamou a todos de medíocres na noite de ontem?
— Relaxa, respondeu sorridente o amigo. – Disse apenas que somos medíocres na acepção do termo. Ou seja, não há nada de extraordinário em nossas vidas. Somos da classe média, vivemos como a média dos paulistanos, trabalhamos e nos divertimos medianamente – enfim, exercemos com todas a letras o que é de qualidade média. Entendeu?
Ufa! O nosso herói sentiu-se aliviado. Médio/medíocre. Não havia feito a relação. Daí, Carlão ter enfatizado “na acepção do termo”. Sentiu-se um tolo, sofrendo tanto pelo óbvio, por nada.
Estava quase se recompondo – e recolocando as dúvidas existenciais nos velhos e bons eixos da rotina de todos os dias, quando ouvi a voz sóbria de Carlão a lhe perguntar:
— Por que você está assim? Que cara de energúmeno é essa?
Desta vez, resolveu ser prático. Antes de responder ao amigo e antes mesmo de começar a sofrer, resolveu consultar o dicionário e saber exatamente o que significa energúmeno “na acepção do termo”…