— Vocês são jovens, e inconsequentes.
Assim o Marcão nos definia dia sim e outro também antes mesmo de nos dar bom dia.
Sempre que chegávamos à velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor, o editor – tido por nós como um mestre – já estava a postos para o trabalho e a recepção aos mais novos. Quando queria ser implacável, trocava a saudação para outra ainda mais difamatória.
— Olá, burguesinhos alienados, qual o lead?
Longe de nos rebelarmos, sabíamos que o veterano jornalista só queria nos instigar alguma dúvida em nossas certezas que eram plenas e absolutas.
Anos 70, tempos obscuros da ditadura, imaginávamos o supra-sumo da crítica especializada. Eu escrevia sobre música popular brasileira. O Ismael Fernandes, sobre cinema e TV. O Ruggiero, sobre teatro.
Nossos textos – datilografados, ressalte-se – passavam pelo crivo do AC, filho do homem e editor-executivo. Mas, só ganhavam contornos definitivos com as correções que o Marcão fazia a lápis e com letra caprichada “para o pessoal de a gráfica entender”.
— Informem mais, opinem menos. Deixem o entrevistado se expressar.
Outra lição do mestre que teimávamos em relevar.
Só houve um dia em que o Marcão perdeu a paciência com nossos delírios críticos, existenciais e revolucionários.
Não sem motivo, diga-se.
Ruggiero aproveitou a ausência do AC para encaixar uma “reportagem especial” no pacote de matérias prontas para diagramação. Segundo ele, seguira os moldes que o jornalista tanto nos pedia: dando voz e vez à fonte.
Na verdade, era uma longa entrevista com um jovem dramaturgo prestes a estrear na cena paulistana.
A montagem tinha título sugestivo: ”Canção da Terra Amanhecida” que despertou a curiosidade do Marcão e o pânico do repórter.
Minutos depois ouvimos a tonitruante ira do chefe.
Por dois motivos, mais do que justificáveis.
Primeiro, não havia sequer data para a estreia da peça.
Segundo, o autor e entrevistado era o próprio Ruggiero que tinha o sonho secreto de ser o novo Plínio Marcos.
— Ô “Sem Noção”, que porra é essa?
Ainda ouço zunir ameaçadora a voz do Velho Mestre.
Éramos mesmo jovens e inconsequentes.
Sonhadores…
E, nessa tarde, quase ficamos surdo de tanto que ele buzinou em nossos ouvidos.
• Lembrei-me dessa história na madrugada de hoje. A convite do próprio, Pedro Bial entrevistou o próprio Jô no programa próprio sobre o recente lançamento do livro do humorista, As Esganadas.