Rio de Janeiro, 20 de março de 1979
Doutor Ministro Jair Soares,
A nêga Clementina de Jesus já passou por muita coisa na vida.
E hoje, para viver, beirando os 80 anos necessita ainda se locomover por esse Brasil inteiro fazendo a única coisa que ainda pode: cantar.
Mas, a nêga veia está cansando, seu Ministro. O que ainda me dá força pra prosseguir é essa juventude maravilhosa que me recebe de braços abertos para todos os cantos onde vou.
Depois de trabalhar muitos anos como doméstica, com marido dando duro na estiva, me sobra bem pouco para viver, pra dar sustento para os meus netos.
Juntando a aposentadoria do falecido a que eu recebo, nem dá três mil cruzeiros…
Não sei como é que é esse negócio de aposentadoria de cantora porque, nessas coisas, eu sou muito ignorante. No outro dia me disseram que a gente tem que juntar muito dinheiro pra pagar uns atrasados – mas a nêga veia não tem mais cabeça pra essas coisas.
Pois é, doutor Ministro: a nêga veia e muitas outras pessoas do nosso meio estão no mesmo pagode.
Que Deus lhe abençoe.
Clementina de Jesus
* Carta escrita por Clementina de Jesus escrita para o então ministro da Previdência Social, Jair Soares, que faz parte do livro Quelé : a voz da cor – Obra e legado de Clementina de Jesus, apresentado como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, e aprovado pela banca (da qual honrosamente fiz parte) com a nota máxima: 10.
* Parabéns aos autores e formandos Felipe Castro, Janaína Marquesini, Luana Costa, Marina Kobayashi e Raquel Munhoz pela notável contribuição que deram à história da nossa música popular.
* Lembrar Clementina é enaltecer a cultura de um povo.