Para Lúcio Dalla, in memorian…
Cena 1
Um fim de tarde qualquer em frente ao Golfo de Sorrento, onde o mar brilha e sopra forte o vento sobre o velho terraço onde o homem abraça a moça, carinhosamente.
Pode ser uma despedida.
Ela parece chorar – e ele a lhe confortar, diz palavras que se fazem canção:
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
É uma catena ornai
Che scioglie il sangue junto vene sai.
Cena 2
A noite cai, silenciosamente…
O homem, agora ao piano, experimenta acordes vagos para a declaração que se fez verso.
Faz uma pausa, e volta ao terraço.
Seus olhos divisam luzes em alto-mar. Imagina lanternas que buscam refletir outras rotas. Pensa nas noites que o esperam lá na América, os compromissos, o fascínio de tantos que ousaram sonhar e partir. O rastro de espuma branca da hélice do barco interrompe a divagação, como a lhe dizer algo ainda imperceptível.
Pode ser a canção que lhe vai à alma.
Até a morte lhe parece mais doce.
Volta-se para mulher amada.
E se vê diante daqueles olhos verdes tão profundos como o mar que os acalenta.
De repente, ela deixa escapar uma contida lágrima que o faz retomar a canção:
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
É uma catena ornai
Che scioglie il sangue junto vene sai.
Cena 3
Como o enredo de uma ópera, o lirismo do poeta, a canção também se faz a partir da força e da nuance de cada momento vivido.
Não há drama. São prescindíveis a maquiagem, as promessas vãs.
Soam falsas, postiças.
Fundamental é compreender o hoje, a intensidade do instante único, raro.
Quando se tem diante de si dois olhos a lhe encarar assim, tão próximos e verdadeiros, tudo fica menor, insignificante, disperso. Inclusive e até as noites lá na América.
Com ele não é diferente.
Entende que vida é efêmera como o rastro branco de uma hélice de um barco qualquer…
Não fica triste. Ao contrário, sente-se feliz e recomeça seu canto:
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
É uma catena ornai
Che scioglie il sangue junto vene sai
* A partir dos versos inesquecíveis de “Caruso”…